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Espaço Thomas Merton

Reflexões de Thomas Merton - 2018

MINHA ALMA RECORDOU-SE DE DEUS

 

“A 'lembrança' de Deus, que se canta nos Salmos, é simplesmente o redescobrimento, em profunda compulsão de espírito, de que Deus se lembra de nós. Em certo sentido, Deus não pode ser recordado. O que se pode é descobri-lO.

Conhecemo-lO porque Ele nos conhece. Conhecemo-lO quando descobrimos que Ele nos conhece. Nosso conhecimento de Deus é o efeito do Seu conhecimento de nós. É sempre a experiência de uma nova maravilha, que Ele se lembra de nós.

Impossível ir em busca de Deus, se Ele não vem primeiro à procura de nós. Podemos começar a procurá-lO na aflição, sentindo dEle apenas a ausência. Mas o fato de irmos ao Seu encalço prova que já O encontráramos. Pois, se continuamos a rezar, 'recordamo-nos'  de Deus, isto é, percebemos outra vez que é Ele realmente. E vemos que Ele nos encontrou"

Thomas Merton em "Homem algum é uma ilha".

ORAÇÃO PÚBLICA E PRIVADA

 

“A tradição cristã primitiva e os escritores espirituais da Idade Média não conheciam nenhum conflito entre a oração ‘pública’ e a ‘privada’, ou entre a liturgia e a contemplação. Este é um problema moderno. Ou talvez fosse mais exato dizer que se trata de um pseudoproblema. A liturgia tende, por sua própria natureza, a prolongar-se na oração individual contemplativa. E a oração mental, por sua vez, dispõe-nos ao culto litúrgico e nele busca a plenitude.”

Thomas Merton em "A oração contemplativa" (Ecclesiae, 2018) pág. 71

DESCOBERTA CONTÍNUA DE CRISTO

 

“A vida cristã, especialmente a vida contemplativa, é uma descoberta contínua de Cristo, em novos e inesperados lugares. E essas descobertas são às vezes mais lucrativas quando se vem a descobri-Lo em alguma coisa a que se tinha a tendência de não dar importância ou, mesmo, de desprezar. Então, o despertar é mais puro e seu efeito mais agudo pelo fato de que, estando Ele ao alcance da mão, foi negligenciado.”

Thomas Merton em "O signo de Jonas"

DESPERTAR

 

“Somente no silêncio e na solidão, na tranquilidade da adoração, na paz reverente da oração, na adoração na qual o ego-eu inteiro silencia e se rebaixa na presença do Deus invisível para receber Sua única Palavra de Amor; somente nessas ‘atividades’ que são ‘não-ações’, o espírito desperta verdadeiramente do sonho de uma existência variada, confusa e agitada.”

Thomas Merton em "Amor e Vida"

PENETRAR NO MISTÉRIO DE DEUS

“Todo cristão batizado está obrigado pelas promessas de seu batismo a renunciar ao pecado e a se entregar totalmente, sem condições, ao Cristo, de maneira a poder realizar sua vocação, salvar a alma, penetrar no mistério de Deus e lá achar-se em plenitude ‘na luz do Cristo’.

 

São Paulo, de fato, nos adverte (1Cor 6,19) de que ‘não nos pertencemos’. Somos inteiramente de Cristo. O Espírito do Senhor se apoderou de nós no batismo. Somos templos do Espírito Santo. Nossos pensamentos e desejos, nossas ações são, de direito, mais dele do que nossos. Todavia, temos de lutar para estarmos seguros de que Deus recebe de nós o que lhe devemos. Se não combatemos para dominar nossa fraqueza natural, nossas paixões desordenadas e egoístas, o que em nós pertence ao Senhor estará subtraído ao poder santificador de seu Amor, e corrompido pelo egoísmo. Estará, ainda, mergulhado na cegueira dos desejos irracionais, empedernido pelo orgulho, resvalando finalmente para o abismo moral do ‘nada’ que se denomina pecado.”

Thomas Merton em "Vida e Santidade"

ESPERAR PACIENTEMENTE A HORA DA GRAÇA

“Algumas pessoas podem, sem dúvida, ter o dom espontâneo da oração meditativa. Hoje em dia, isso é raro. A maior parte dos homens tem de aprender como meditar. Existem maneiras de meditar. Não devemos, entretanto, esperar encontrar método mágicos, sistemas que façam toda as dificuldades e obstáculos se dissolverem no ar. A meditação é, por vezes, muito difícil. Se sustentarmos com coragem as durezas na oração e esperarmos pacientemente a hora da graça, bem poderemos descobrir que a meditação e a oração são experiências que nos trazem grande alegria. Não devemos, porém, julgar o valor de nossa meditação partindo de ‘como nos sentimos’. Uma oração dura e aparentemente infrutífera pode, de fato, ter muito mais valor do que outra mais fácil, feliz, iluminada e que pareça bem-sucedida.”

Thomas Merton em "A oração contemplativa"

ESMAGADO PELA SANTIDADE DE DEUS

“Um santo não é somente o homem que sabe possuir virtudes e santidade; mas o homem que é esmagado pela santidade de Deus. E, por isso, as coisas tornam-se sagradas na medida em que são compartilhadas por Deus. Todas as criaturas são sagradas até o ponto em que participam de Seu ser; mas os homens são encorajados a se fazerem santos por um meio mais elevado, isto é, por participarem de Sua transcendência, elevando-se acima do nível das coisas que não são Deus.”

Thomas Merton em "O signo de Jonas"

A MAIS ELEVADA FORMA DE ADORAÇÃO RELIGIOSA

“... encontra a si mesma e se realiza no despertar contemplativo e na paz espiritual transcendente na união quase experiencial de seus membros com Deus, para além dos sentidos e do êxtase. A forma mais baixa de adoração, por sua vez, encontra sua realização em um misterioso e mágico sentido de poder, ‘produzido’ por ritos que dão ao adorador a chance momentânea de roubar uns poderes mágicos da divindade aplacada. Entre esses dois extremos, há uma ampla gama de êxtases, exaltação, auto realização ética, retidão jurídica e intuição estética. De todas essas maneiras, a religião, seja primitiva ou sofisticada, crua ou pura, ativa ou contemplativa, procura realizar o despertar interior, ou ao menos produzir um substituto aparentemente satisfatório para este.”

Thomas Merton em "A experiência interior"

A SEMPRE REPETIDA MESMIDADE

“Aqui devemos fazer uma pequena pausa para considerar a diferença entre uma visão secular e uma visão sagrada da vida. A expressão ‘o mundo’ é talvez muito vaga. Não se refere simplesmente a ‘tudo que está em torno de nós’ ou ao universo criado. O universo não é mau, é bom. O ‘mundo’, no mau sentido, certamente não é o cosmos, embora escritos de alguns autores cristãos neoplatônicos surgiram este significado para expressão. Para eles saeculorum é o que é temporal, o que muda, da volta e retorna ao ponto de partida. Isso se deve a influências gnósticas e platônicas que se infiltraram no cristianismo, persuadindo os homens de que o universo é regido por anjos mais ou menos caídos (‘as potências dos ares’). Nosso adjetivo ‘secular’ é proveniente do latim saeculum, que significa tanto ‘mundo’ quanto ‘século’. A etimologia da palavra é incerta. Talvez esteja relacionada ao grego kuklon, ‘roda’, do qual tiramos ‘ciclo’. Portanto, originariamente, o ‘secular’ era o que percorre, interminavelmente ciclos sempre recorrentes. Isto é o que faz ‘a sociedade mundana’ cujos horizontes são de uma sempre repetida mesmidade:

Uma geração vai, uma geração vem, e a terra sempre permanece. O Sol se levanta, o Sol se deita, apressando-se a voltar ao seu lugar e é lá que ele se levanta. O vento sopra em direção ao sul, gira para o norte, e girando e girando vai o vento em suas voltas (...) o que foi, será, o que se fez, se tornará a fazer: nada há de novo debaixo do Sol! (...) Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. (Ecl 1).”

Thomas Merton em "A experiência interior"

VIVER EM CRISTO

“Viver ‘em Cristo’ é viver em um mistério igual ao da Encarnação e semelhante a Ele. Pois assim como Cristo tem em sua pessoa as duas naturezas, divina e humana, ao nos fazer seus amigos, Ele habita em nós, unindo-nos intimamente a si. Habitando em nós, Cristo se torna, por assim dizer, nosso eu superior pois uniu e identificou a si o nosso eu mais íntimo. A partir do momento em que, pela fé e pela caridade, correspondemos ao seu amor por nós, uma união sobrenatural de nossas almas com a Pessoa divina de Cristo, que habita em nós, nos faz partícipes de sua Divina filiação e natureza. Um novo ser começa a existir. Torno-me um ‘novo homem’ e esse novo homem, espiritual e misticamente uma só identidade, é, ao mesmo tempo, Cristo e eu. O Novo Testamento e a doutrina da igreja explicam à inteligência de quem crê que essa união espiritual do meu ser com Cristo em um ‘novo homem’ é obra do Espírito Santo, o Espírito de amor, Espírito de Cristo.”

Thomas Merton em "Novas sementes de contemplação"

NOSSO EGOCENTRISMO

“A frutificação da nossa vida depende, em grande parte, da habilidade em duvidar das nossas próprias palavras e em desconfiar do valor do nosso trabalho. O homem que confia inteiramente no conceito em que se tem é condenado à esterilidade. Só uma coisa ele exige a uma ação, que seja feita por ele. Se é ele quem a pratica, deve ser boa. Suas palavras devem ser infalíveis. O carro que acabou de comprar é o melhor desse preço. E isso exclusivamente porque foi ele quem o comprou. Não querendo outros frutos, ele não obtém geralmente senão estes.”

Thomas Merton em "Homem algum é uma ilha"

NOSSAS CONTRADIÇÕES

“A rejeição de Cristo. Os seus não o receberam.

 

A coisa mais terrível a respeito da rejeição de Jesus foi ter sido rejeitado pelos santos, e rejeitado porque era Deus!

 

Os Fariseus rejeitaram Deus porque Ele não era Fariseu.

Os Fariseus nada quiseram ter com Deus porque Deus mostrou que não era feito à própria imagem deles! ‘Eu vim em nome do meu Pai e vós não me recebeis; se vier outro em seu próprio nome, haveis de recebe-lo’. (Jo 5,43).

O que está implícito na expressão ‘em nome de meu Pai’? Jesus quando veio a nós nada tinha de Seu. Não apenas não tinha lugar onde descansar a cabeça, não somente estava pobre na terra, mas explica que o fato de Sua origem divina significa que Ele nada tem de Seu. E todavia, Ele é tudo. (...) A prova de nossa amizade e admiração por Deus está na maneira como recebemos Aquele que não pode vir a nós em Seu próprio nome.

 

Aqueles que vivem por si, que vivem ‘por seu próprio nome’, não podem acreditar em tal Deus porque Ele contraria tudo aquilo em que acreditam e por que vivem. Não se dirigirão e Ele para receberem vida porque Ele não recebe glória dos homens. Claritatem ab hominibus non accipio*.

 

Thomas Merton em "O Signo de Jonas"

*Não recebo a glória que vem dos homens (Jo 5, 41)

“Recebemos no coração o silêncio de Cristo, quando pela primeira vez falamos de coração a palavra da fé. Conseguimos a salvação no silêncio e na esperança. O silêncio é a força da nossa vida interior. Ele entra no próprio coração do nosso ser moral, e de tal forma que, se não temos silêncio, não temos moralidade. O silêncio entra misteriosamente na composição de todas as virtudes e preserva-as da corrupção.”

Thomas Merton em "Homem algum é uma ilha"

“A Palavra de Deus é (...) capaz de dar provas de autenticidade pelo seu poder transformador que opera uma invasão de amor, unidade, paz, compreensão mútua e liberdade, onde havia antes preconceito, conflito, ódio, divisão e ganância.

 

A mensagem da Bíblia consiste, então, em que, na plena confusão do mundo do homem com suas divisões e seus ódios, penetrou uma mensagem de poder transformador e aqueles que nela creem haverão de experimentar e reconhecer em si o amor que opera a reconciliação e a paz no mundo.”

Thomas Merton em "Que livro é este?"

“São Paulo, de fato, nos adverte (1Cor 6,19) de que ‘não nos pertencemos’. Somos inteiramente de Cristo. O Espírito do Senhor se apoderou de nós no batismo. Somos templos do Espírito Santo. Nossos pensamentos e desejos, nossas ações são, de direito, mais dele do que nossos. Todavia, temos de lutar para estarmos seguros de que Deus recebe de nós o que lhe devemos. Se não combatemos para dominar nossa fraqueza natural, nossas paixões desordenadas e egoístas, o que em nós pertence ao Senhor estará subtraído ao poder santificador de seu Amor, e corrompido pelo egoísmo. Estará, ainda, mergulhado na cegueira dos desejos irracionais, empedernido pelo orgulho, resvalando finalmente para o abismo moral do ‘nada’ que se denomina pecado.”

Thomas Merton em "Vida e santidade"

“Ao escrever sua Regra para Monges, São Bento de Núrsia o fazia para homens cujo único fim na vida era Deus. Haverá, afinal, outro fim para alguém? Todos os homens buscam a Deus, ainda que não o saibam. São Paulo já o dissera aos habitantes de Atenas: ‘O Deus que fez o mundo e todas as coisas que há nele... fez toda a linhagem humana, para povoar toda a face da Terra. Fixou as estações e os confins dos povos, para que procurem a Deus e, mesmo às apalpadelas, o achem, pois Ele não está longe de nós, porquanto nele vivemos e nos movemos e existimos’ (At 17, 24-28). Mesmo aqueles que dizem não acreditar em Deus buscam-no pelo próprio fato de o negarem; pois não lhe negariam a existência se não acreditassem ser verdadeira a sua negação: Ora, Deus é a fonte de toda a verdade.”

Thomas Merton em "O pão no deserto"

“CADA HOMEM se torna a imagem do Deus que ele adora.

  Quem adora uma coisa morta, converte-se em coisa morta.

  Quem ama a corrupção, fica pobre.

  Quem ama uma sombra, transforma-se em sombra.

  Quem amam coisas perecíveis, vive no meio da sua perdição.

  O contemplativo, que procura guardar Deus prisioneiro em seu coração, torna-se prisioneiro dos estreitos limites do seu coração, até que o Senhor daí se evada e o deixe em seu cárcere, em sua reclusão, em seu recolhimento mortal.

  O homem que deixa ao Senhor a liberdade do Senhor, adora-O em sua liberdade e recebe a liberdade dos filhos de Deus.

  Esse homem ama como Deus e é conquistado, cativo da invisível liberdade de Deus.

  Um deus que fica imóvel dentro do foco da minha visão não é sequer um vestígio do Deus verdadeiro.”

Thomas Merton em "Homem algum é uma ilha"

DESPERTAR CONTEMPLATIVO

“Pelo simples fato de todos os homens buscarem instintivamente, de um modo ou de outro, o despertar de seu verdadeiro eu interior, todas as formas sociais válidas de religião procuram, de alguma maneira, propiciar uma situação tal em que cada membro do grupo de adoradores possa elevar-se acima do grupo e acima de si mesmo para encontrar a si e aos demais em um nível superior. Isso implica que todas as formas verdadeiramente sérias e espirituais de religião aspiram, ao menos implicitamente, a um despertar contemplativo do indivíduo e do grupo. Mas as formas de religião e adoração litúrgica que perderam o impulso inicial do fervor tendem a esquecer cada vez mais seu propósito contemplativo, passando a dar importância exclusiva aos ritos e às formas cerimoniais por si mesmos ou pelo efeito que se espera que causem no Ser adorado.

Thomas Merton em "A experiência interior"

VOLTAR AO PAI

“Uma coisa é importante acima de tudo mais: ‘voltar ao Pai’. O Filho veio ao mundo e morreu por nós, ressuscitou e subiu para o Pai. Enviou-nos o Espírito Santo para que Nele e com Ele pudéssemos voltar ao Pai.

 

Sim, para que pudéssemos passar completamente para além da névoa de tudo que é transitório e inconclusivo: Voltar ao Imenso, ao Primordial à Fonte, ao Inconhecido, àquele que ama e conhece, ao Silencioso, ao Misericordioso, ao Santo, Àquele que é tudo.

 

Procurar algo, preocupar-se com algo fora disso, é loucura e enfermidade. Pois isso é o sentido pleno e o cerne de toda existência. E é nisso que todos os negócios de nossa vida e todas as necessidades do mundo e dos homens tomam seu sentido certo. Tudo aponta para essa única grande volta à Fonte.”

Thomas Merton em "Reflexões de um espectador culpado"

A mais profunda lei do ser humano é sua necessidade de Deus, de vida. Deus é vida. "Estava nele a vida e a vida era luz dos homens. E a luz brilhou nas trevas e as trevas não a compreenderam" (Jo 1,4-5)​. Compreender a luz que no meio delas brilha é a maior necessidade que têm nossas trevas. Por isso, deu-nos Deus como o seu primeiro mandamento: "Amarás o Senhor teu Deus te todo coração, de toda tua alma, de todas as tuas forças". 

Thomas Merton em "A vida silenciosa".

A receita para liberdade

Ser pouco, ser nada, alegrar-me com minhas imperfeições, sentir-me feliz por não ser digno de atenção, por não ter nenhuma importância no universo. Esta é a única libertação. O único caminho para a verdadeira solidão.

Thomas Merton em "Poesia e Contemplação".

A verdadeira contemplação é...

inseparável da vida e do dinamismo da vida - que inclui trabalho, criação, produção, fecundidade e sobretudo amor. Não se deve pensar em contemplação como uma área separada da vida, isolada de todos os demais interesses do homem e sobrepujando-os. A contemplação é a própria plenitude de uma vida inteiramente integrada. E o coroamento da vida e de todas as atividades da vida.

 

Thomas Merton em "Poesia e Contemplação".

Saberemos o que significa louvar, adorar, da glória?
 

"Hoje em dia, 'louvar' não é coisa que custe por aí além. Tudo é louvado, desde o sabão à cerveja, da pasta de dentes às roupas, dos colutórios às estrelas de cinema e a todo tipo de aparelhagem que, assim se crê, há-de tornar-nos a vida mais cômoda. A tal ponto e com tal insistência sobem de tom os encomios, que não há quem se não sinta infartado deles. Uma vez que tudo é louvado (com tão falsos entusiasmos, como os dos locutores de rádio), forçoso é concluir que, ao fim e ao cabo, nada é louvado. O louvor converteu-se em algo vazio e desinteressante.

Sobrou algum superlativo para Deus? Não; todos foram gastos nos gêneros alimentícios, nos falsos remédios. Não ficou nenhuma palavra para exprimir a nossa adoração ao único que é Santo, ao único que é Senhor.
"

 

Thomas Merton, em "Rezar os Salmos"

22.7.2018

"Indiscutivelmente, o cristianismo tem sido seriamente contestado em nossa época, e nem todos os que questionam agem por maldade ou má-fé, como os cristãos às vezes acreditam. (...) Na confusão angustiada da vida moderna, na qual o homem luta, sem muito sucesso, para 'se encontrar' na sua nova solidão e construir para si uma sociedade que corresponda às suas oportunidades recém-descobertas, indaga-se o tempo todo se a moral e as perspectivas espirituais cristãs não diminuíram e frustraram, de fato, o verdadeiro desenvolvimento humano do homem. O cristianismo não confina o homem dentro das limitações de um conjunto acanhado de mitos que o proíbem de se ajustar de forma criativa à realidade à sua volta? (...)

Qual o fundamento dessas acusações? Teilhard de Chardin acha que elas conseguem tomar emprestado algum fundo de verdade do comportamento de muitos cristãos que são, em certa medida, espiritualmente aleijados pela falta de uma perspectiva moral verdadeiramente cristã. Para um número grande demais de cristãos, de fato, o cristianismo é uma religião totalmente negativa que parece prescrever uma alienação completa da vida, dos valore humanos e do mundo para quem pretende a união com Deus. A doutrina da cruz, reduzida e distorcida por estar separada do mistério da ressurreição, torna-se uma doutrina de morte e não de vida. Supõe-se, então, que o cristão passe pela vida passivo, inerte, indiferente. Não é chamado a reagir de forma criativa aos desafios, aos obstáculos e às oportunidades de vida, mas apenas a submeter-se, sem entender nada, a uma força cega à qual chama de 'vontade de Deus'. (...) 

Essa é uma noção falsa do cristianismo desencarnado e separado corpo, que, na verdade, não é absolutamente cristã, pois quem fala 'cristianismo' fala 'Encarnação'. (...) Tais objeções ao cristianismo ocorrem somente àqueles que não têm uma compreensão real do sentido da revelação cristã, porque a veem apenas como um conjunto de proposições doutrinais abstratas, em vez de vivenciá-la como uma vida unificada 'em Cristo'."

Thomas Merton, em "Amor e vida"

“Hoje os cristãos levantam perguntas curiosas a respeito de algo chamado "mundo". Devem condená-lo como seus pais? Devem renunciar a ele, como os monges? Devem amá-lo com ele se ama? (...) Ou, afinal, devem admitir francamente que fazem parte do mundo e partir daí? O que é esse mundo? Ele existe mesmo?

Temos de começar por admitir, francamente, que o primeiro lugar para procurar o mundo não é fora de nós, mas dentro de nós mesmos. Nós somos o mundo. No mais profundo de nosso ser permanecemos em contato metafísico com toda a criação da qual somos apenas pequenas partes. Por meio de nossos sentidos e de nossas mentes, de nossos amores, necessidades e desejos, estamos envolvidos, sem possibilidade de evasão, neste mundo de matérias e de homens, de coisas e de pessoas, que não só nos afetam e mudam nossas vidas, mas também são afetados e transformados por nós." 

Thomas Merton, em "Amor e vida"

Despertar contemplativo

“Pelo simples fato de todos os homens buscarem instintivamente, de um modo ou de outro, o despertar de seu verdadeiro eu interior, todas as formas sociais válidas de religião procuram, de alguma maneira, propiciar uma situação tal em que cada membro do grupo de adoradores possa elevar-se acima do grupo e acima de si mesmo para encontrar a si e aos demais em um nível superior. Isso implica que todas as formas verdadeiramente sérias e espirituais de religião aspiram, ao menos implicitamente, a um despertar contemplativo do indivíduo e do grupo. Mas as formas de religião e adoração litúrgica que perderam o impulso inicial do fervor tendem a esquecer cada vez mais seu propósito contemplativo, passando a dar importância exclusiva aos ritos e às formas cerimoniais por si mesmos ou pelo efeito que se espera que causem no Ser adorado.”

Thomas Merton, em "A experiência interior"

"A primeira coisa a fazer quando se reconhece a presença da graça divina no coração, é desejar mais caridade, e do momento que se deseja mais, já se tem mais: e esse desejo é em si o penhor do que ainda virá. A causa disso é que um desejo eficaz de amar a Deus nos afasta de tudo o que se opõe à Sua vontade.

É desejando crescer no amor que recebemos o Espírito Santo, e o efeito dessa comunicação mais abundante é a sede de maior caridade."

Thomas Merton, em "Homem algum é uma ilha,

Quais as nossas prioridades?

 

"Nos negócios, comprador e vendedor se reunem no mercado com suas necessidades e seus produtos. Barganham. A barganha é simplificada pelo uso de uma comodidade chamado dinheiro. O mesmo acontece com o amor. A relação de amor é uma transação à qual se chega para a satisfação de necessidades mútuas. Se for um sucesso, rende, não necessariamente dinheiro, mas gratificação, paz de espírito, realização.

 

(...) O problema dessa ideia comercializada de amor é que ela desvia , cada vez mais, a atenção do essencial para os acessórios do amor. Você não é mais capaz de amar realmente a outra pessoa, porque se torna obcecado pela eficácia de seu próprio pacote, do seu próprio produto, do seu próprio valor de mercado. (...) Para muitas pessoas o que importa é o momento delicioso e fugitivo em que a transação é fechada. Elas nem pensam no que a própria transação representa."

Thomas Merton, em "Amor e vida"

Quais as nossas prioridades?

 

"Ora, basicamente, alguém que está obcecado pela sua própria unidade interior deixa de se conscientizar de sua desunião com Deus e com os outros. Pois é na união com os outros que nossa própria união interior se estabelece natural e facilmente. Estar preocupado em conseguir a unidade interior em primeiro lugar e, em seguida, amar os outros é seguir uma lógica de ruptura contrária à vida."​

Thomas Merton, em "Reflexões de um espectador culpado"

O que há de mais básico na existência humana?

"Em todas as grandes tradições religiosas homens e mulheres dedicaram-se à vida contemplativa. E assim, em condições especiais de silêncio, austeridade, solidão, meditação e culto, conseguiram aprofundar e ampliar sua percepção espiritual. Desta forma conseguiram explorar áreas da experiência que, apesar de fora do comum, têm implicações profundas sobre a vida que em geral levam os homens, seus irmãos. Quer seja do ponto de vista da psicologia, da ética, da arte, da religião, ou simplesmente no desenvolvimento das mais profundas capacidades do homem, a experiência contemplativa está ligada ao que há de mais básico na existência humana.”​

Thomas Merton, em "Contemplação num mundo de ação"

“Deus está em toda a parte e nunca nos deixa. No entanto, Ele parece, umas vezes, presente; outras ausente. Se não o conhecemos bem, não percebemos que Ele nos pode ser mais presente em Sua ausência do que em Sua presença.

 

(...)​ Se Deus nos ensinar a segui-Lo ao deserto da Sua própria liberdade, não saberemos mais onde estamos, pois estamos com Aquele que está em toda parte e em parte alguma ao mesmo tempo.

 

Os que amam só a presença aparente de Deus não podem seguir o Senhor aonde quer que Ele vá. Eles não O amam perfeitamente se não consentem na Sua ausência. (...) Pensam que as suas orações lhes conferem o direito de mandar em Deus, sujeitando a Sua vontade a deles. Vivem mais no plano da magia do que no da religião.”​

Thomas Merton, em "Homem algum é uma ilha"

“A lei da divina liberdade, oculta e ativa na pessoa de Cristo, penetrou no mundo do pecado, em que o homem definhava prisioneiro de outra lei muito diversa, lei de cupidez e de egoísmo. Cristo ensinou ao homem como se libertar da escravidão do amor-próprio egoísta, e deu-lhe o poder de consegui-lo pela graça que flui da cruz para dentro da livre vontade dos homens, fortalecendo-lhes a liberdade de maneira tal que possam, não só evitar o mal e escolher o bem espiritual e eterno, mas tornar-lhe semelhante ao próprio Deus, pela perfeição de um sacrifício de puro amor, que reproduz em suas vidas o Sacrifício da cruz.”

Thomas Merton, em "A vida silenciosa".

“Não existem fórmulas simples e eficazes a não ser no Evangelho, onde as palavras não são do homem mas de Deus. E, apesar de toda a sua simplicidade, as palavras do Cristo, em sua transparência, as palavras de salvação, permanecem profundamente misteriosas, como tudo que procede de Deus. Assim, conquanto esteja bem claro que somos chamados à ‘perfeição’ - e sabemos consistir a perfeição em ‘observar os mandamentos (de Cristo), acima de tudo o ‘mandamento novo’ de nos amarmos uns aos outros como ele nos amou – cada um tem de se esforçar para alcançar a própria salvação, com temor e tremor, no mistério e, muitas vezes, atônito, na confusão da situação particular de sua vida. Realizando isso, cada um de nós aparece como um novo ‘caminho’, uma nova ‘santidade’ inteiramente individual e própria, porque cada um de nós tem sua vocação peculiar e deve reproduzir a semelhança ao Cristo de um modo que difere um tanto dos outros, desde que não existem duas pessoas iguais.”

Thomas Merton, em "A vida silenciosa".

"O Apóstolo S. Paulo mostrou-se impaciente com os Coríntios, não porque resistissem à sua autoridade, mas precisamente, pelo contrário, porque queriam alguns formar uma facção em redor dele para exaltar sua autoridade acima da dos outros apóstolos (1Cor 1,12-13). Considerou essa obsessão do culto de um herói humano e desejo de submissão a um chefe humano como 'infantilismo', na ordem espiritual. Consistia sua missão precisamente em libertá-los dessa sujeição servil às tradições humanas, à autoridade humana, à liderança humana, de maneira que pudessem desenvolver a liberdade que haviam recebido de Deus e viver 'pelo Espírito', como cristãos adultos."

Thomas Merton, em "A vida silenciosa".

"O amor não é uma questão de obter o que se deseja. Muito pelo contrário. A insistência em sempre ter o que se deseja, em sempre obter satisfação, em sempre ser saciado, torna o amor impossível. Para amar, você precisa sair do berço, onde tudo é ‘obter’, e, crescer até a maturidade do dar, sem se preocupar em obter nada de especial em troca. O amor não é uma transação, é um sacrifício. Não é comércio, é uma forma de culto."

Thomas Merton, em "Amor e vida",

"O progresso da pessoa e o progresso da sociedade caminham juntos. Nosso mundo moderno não pode alcançar a paz e uma ordem social plenamente justa, apenas pela aplicação de leis que atuam sobre o homem, por assim dizer, vindas de fora dele. A transformação da sociedade começa dentro da pessoa. Começa com o amadurecimento e a abertura da liberdade pessoal em relação a outras liberdades - em relação ao resto da sociedade. A 'doação' cristã que é exigida de nós é uma participação inteligente e plena da vida de nosso mundo, não somente com base na lei natural, mas também na comunhão e reconciliação do amor interpessoal. Isso significa uma capacidade de estar aberto para os outros como pessoas, de desejar para os outros tudo o que sabemos ser necessário para nós mesmos, tudo o que é exigido para o pleno crescimento e até para a felicidade temporal de uma existência plenamente pessoal."

Thomas Merton, em "Amor e vida",

"Quando, no Evangelho de São João, Cristo diz ao doutor da Lei, Nicodemos: 'Você precisa nascer de novo', não estava apenas lhe dizendo claramente algo que ele poderia ouvir, se prestasse atenção, no silêncio e na meditação de seu próprio coração. Estava também lhe dizendo que as respostas comuns não bastam para satisfazer sua necessidade. "Nascer de novo' é mais do que uma questão de boas resoluções morais, de autodisciplina, de ajustamento a requisitos e exigências sociais, de encontrar para si mesmo um papel de valor e respeito na sociedade. O apelo para 'renascer de novo' de fato se faz ouvir em nossos corações, mas nem sempre tem o mesmo sentido, porque não somos sempre capazes de interpretá-lo na sua verdadeira profundidade. (...)

 

Jesus está falando de um tipo inteiramente novo de nascimento. É um nascimento que dá um sentido definitivo à vida, (...) é o despertar espiritual da mente e do coração. (...) É nascer para além do egotismo, para além do egoísmo, para além da individualidade, (...) Nascer do espírito é nascer em Deus para além do ódio, para além da luta, na paz, na alegria, na modéstia, no serviço, na mansidão, na humildade, na força."

Thomas Merton, em "Amor e vida".

"É quando os homens O conhecem e amam, que Deus se torna, de modo especial, presente e manifesto no mundo. Sua glória brilha de maneira inefável naqueles que Ele uniu a si mesmo. Os que ainda nada sabem de Deus, têm o direito de esperar de nós, seus pretensos conhecedores, a evidência do fato, não só 'ao satisfazermos  a cada um que nos pergunta a razão de nossa esperança', mas, sobretudo, pelo testemunho da nossa vida.

(...)

É inútil estudar a respeito de Deus, levando uma vida que não tem nada da Cruz de Cristo. Ninguém pode fazer isto sem trair completa ignorância do sentido do cristianismo. A economia cristã não é mera filosofia ou sistema ético, nem muito menos uma teoria social.

Cristo não foi um sábio a ensinar uma doutrina. Ele é Deus, encarnado para produzir uma transformação mística da humanidade."

Thomas Merton, "Ascensão para a verdade",

QUE PAZ QUEREMOS?

"Se os homens desejassem de fato a paz, haveriam de pedi-la sinceramente a Deus e ele a concederia. Mas por que dar ele a paz a um mundo que em verdade não a quer? A paz que o mundo finge querer não é, de modo algum, verdadeira paz.

Para alguns a paz significa apenas a liberdade de explorar os outros, sem medo de represálias ou intervenção. Para outros, a paz significa a liberdade de roubar o próximo sem interrupção. Há ainda os que consideram a paz como meio para devorar tranquilamente os bens da terra, sem serem obrigados a interromper seus prazeres, para dar de comer aos que sua ganância faz morrer de fome. E para a quase generalidade dos homens, a paz significa simplesmente a ausência de qualquer violência física, que poderia lançar uma sombra sobre vidas dedicadas à satisfação de apetites animais, ao conforto e aos prazeres.

Muitos desses já pediram a Deus o que julgavam ser a 'paz', admirando-se de sua oração não ter sido atendida. Não conseguiram compreender que 'foi', de fato, ouvida. Deus deixou-lhes o que desejavam, pois a ideia deles sobre a paz era apenas outra forma de guerra. A 'guerra fria' é simplesmente a consequência normal de nossa ideia corrompida de uma paz baseada numa política de 'cada um por si' no campo da ética, da economia e da política. É um absurdo esperar uma paz sólida, baseada em ficções e ilusões!

Portanto, em lugar de amarmos o que imaginamos ser a paz, tratemos de amar os outros e a Deus acima de tudo. E em vez de odiar os que julgamos serem causadores de guerra, odiemos os apetites e as desordens de nossa própria alma, que são as causas da guerra. Se amarmos a paz, então, detestemos a injustiça, a tirania, a ganância - mas detestemos essas coisas 'em nós mesmos', não no outro."

Thomas Merton, "Novas Sementes de Contemplação",

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