
Comunidade Monástica
Anglicana
Estaremos de recesso nos meses de novembro e dezembro para nova formatação.
Agradecemos a todos vocês que nos seguiram ao longo desse ano e os aguardamos para reflexões compartilhadas no próximo.
Fiquem com Deus e pleno de paz.

29.12.2019
"Os que atentavam contra a vida do Menino"
Santo Afonso-Maria de Ligório (1696-1787)
Um anjo apareceu em sonhos a São José, e avisou-o de que Herodes andava à procura do Menino Jesus para Lhe tirar a vida: «Levanta-te, toma contigo o Menino e sua Mãe e foge para o Egito». Ainda mal nasceu, já Jesus é perseguido de morte. [...] José obedece sem demora à voz do anjo: acordando sua santa esposa, pega em algumas ferramentas que pudesse levar consigo, a fim de exercer a sua profissão no Egito e ter com que sustentar a família. Maria, por seu turno, reúne as roupas necessárias a seu divino Filho; e depois, aproximando-se do berço onde Ele repousava, ajoelha-se, beija os pés de seu querido Filho e, por entre lágrimas de ternura, diz-Lhe: «Meu Filho e meu Deus, que vieste ao mundo para salvar os homens; ainda mal nasceste e já os homens vêm à tua procura para Te dar a morte!» Pega ele e, continuando a chorar, os dois santos esposos fecham a porta e põem-se a caminho de noite. [...]
Meu bem-amado Jesus, Tu és o Rei do Céu e vejo-Te errar como fugitivo sob a aparência de uma criança. Que procuras?, diz-me. A tua pobreza e o teu abaixamento emocionam-me de compaixão; mas aquilo que me aflige mais é a negra ingratidão com que Te vejo tratado por aqueles que vieste salvar. Tu choras, e também eu choro, por ter sido um daqueles que Te desprezaram e Te perseguiram; a partir de agora, porém, preferirei a tua graça a todos os reinos do mundo.
Perdoa-me todos os ultrajes que Te fiz; permite-me que, na viagem desta vida para a eternidade, Te leve no meu coração, a exemplo de Maria, que Te levou nos seus braços durante a fuga para o Egito. Meu Redentor bem-amado, foram muitas as vezes em que Te expulsei da minha alma, mas tenho confiança, agora que voltaste a tomar conta dela. E suplico-Te que a prendas a Ti pelas doces cadeias do teu amor.
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Disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-12-29>
22.12.2019
“Non nobis Domine, non nobis, seja Nomini Tuo da Gloriam!”
É o conhecido lema e a oração dos “Pobres Soldados de Cristo e do Templo de Salomão”, de Jerusalém, em resumo, os Cavaleiros Templários. Lema adotado no início da existência da Ordem dos Templários, no século XII, e adotado por todas as Ordens que são proclamadas para continuar as tradições dos Templários.
Mas o que essa expressão usada na língua latina significa e como os templários medievais passaram a adotá-la como lema e Credo espiritual?
A frase acima não é uma expressão inventada pelos Cavaleiros Templários, mas sim o Salmo 115 (113B), com a seguinte redação completa: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por teu amor e tua verdade”. Desde a primeira canção deste Salmo e até sua adoção como lema dos cavaleiros-monges cristãos, 2000 anos se passaram, e a adoção desse lema não foi feita aleatoriamente, mas naturalmente, no contexto de uma evolução espiritual predestinado para os ousados soldados do cristianismo.
Primeiro, vamos ver o que é o Salmo. O Salmo é uma oração de humildade, arrependimento ou louvor a Deus, dito da maneira como está escrito em Los Cantares - Saltério. As orações mais antigas, ou canções religiosas cristãs, são os Salmos, retirados da adoração judaica. Os Salmos, em número de 151, estão agrupados em 5 seções, assim como foram categorizados no livro hebraico Torá, um grupo formado de acordo com eles: louvor, arrependimento, dor, tristeza. Portanto, o Saltério também foi nomeado o Livro da alma.
Os Salmos, em judaico, significa o Livro de Louvor, porque louvam a Obra de Deus e seu cuidado por todos os seres. Os autores dos Salmos foram os grandes estudiosos da antiguidade, verdadeiros iniciados nas ciências espirituais, entre as quais também a religião: Davi, Salomão, Etã, Moisés, Ezequias, etc. O rei Davi escreveu mais de 70 salmos, Salomão escreveu 18 salmos, entre os quais parece que também o Salmo 113 (Salmo 115 do texto hebraico). Os grandes sacerdotes judeus não fizeram nada além de registrar e classificar os Salmos, o último grupo de Salmos, o quinto, sendo chamado A PERFEIÇÃO E O LOUVOR DA PALAVRA DE DEUS. Esta seção também faz parte do Salmo 113,9.
Portanto, o Salmo em questão mostra que a Glória de Deus é tão grande que não apenas os homens cantam a Glória, mas também o mar, as montanhas, a terra e o rio Jordão. E essa grande Glória deve sempre ser exaltada, dita e cantada, porque a Obra do Senhor sempre se manifesta.
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Parte do texto escrito por Michael Riche-Villmont e apresentado no site Templarios, disponível em <http://templarios.ning.com/ profiles/blogs/non-nobis-domine-non-nobis-sed-nomini-tuo-da-gloriam?xg_source=activity>
15.12.2019
João Batista, precursor de Cristo na morte como na vida (*)
São Gregório Magno (540-604), Doutor da Igreja
Por que razão, quando é feito prisioneiro, João Batista envia os seus discípulos perguntar a Cristo: "És Tu Aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?", como se não soubesse quem era Aquele que lhes tinha apresentado? [...] Esta pergunta depressa encontra resposta se examinarmos o tempo e a ordem com que se desenrolaram os factos. Nas margens do Jordão, João afirma que Jesus é o Redentor do mundo (Jo 1,29); contudo, uma vez na prisão, pergunta se Ele é Aquele que havia de vir. Não é que duvide de que Jesus seja o Redentor do mundo, mas quer saber se Aquele que veio em pessoa ao mundo vai também descer em pessoa às prisões da mansão dos mortos. Porque João também precederá nos infernos, com a sua morte, Aquele que anunciou ao mundo enquanto precursor. [...] É como se dissesse claramente: "Da mesma forma que Te dignaste nascer pelos homens, diz-nos se Te dignarás também morrer por eles, de tal forma que, tendo sido precursor do teu nascimento, eu o seja também da tua morte e possa anunciar na mansão dos mortos que Tu vais vir, tal como anunciei ao mundo que Tu tinhas vindo".
É por isso que a resposta do Senhor fala da humilhação da sua morte logo após ter enumerado os milagres operados pelo seu poder: "Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a boa nova é anunciada aos pobres. E bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim motivo de escândalo". À vista de tantos sinais e de tão grandes prodígios, ninguém tinha razão para se escandalizar, antes para se admirar. Surgiu contudo uma grave ocasião de escândalo no espírito dos que não acreditaram quando O viram morrer, mesmo depois de tantos milagres. Donde a palavra de Paulo: "Pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios" (1Cor 1,23). [...] Portanto, quando o Senhor diz: "Bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim motivo de escândalo", estará provavelmente a referir-se à abjeção e humilhação da sua morte. É como se dissesse abertamente: "É certo que faço coisas admiráveis, mas nem por isso Me recusarei a sofrer coisas ignominiosas. Uma vez que vou seguir João, morrendo, que os homens não desprezem em Mim a morte depois de terem venerado os milagres".
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(*) Texto disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-12-15>
8.12.2019
Cada pessoa é intendente da sua própria graça
São Máximo, o confessor (580-662); monge e teólogo
Cada um de nós possui a energia manifesta do Espírito na proporção da fé que tem em si (cf Rom 12,6); deste modo, cada pessoa é intendente da sua própria graça, e quem tem boas disposições não poderá invejar outro que vê ser honrado por graças, dado que tem em si a disposição para receber os bens de Deus. É a medida da fé de cada pessoa que faz com que os bens de Deus permaneçam nela; pois é na medida em que cremos que nos é dado o fervor para agir. Assim pois, quando uma pessoa age, revela a medida da sua fé na proporção da sua ação: recebe a medida da graça segundo aquilo em que acreditou. [...]
Pelas elevações parciais na virtude, fazemos convergir para a causa destas, com a ajuda de Deus, os carismas que nos foram dados, a fim de não tornarmos cega e sem olhos a nossa fé, privando-a das luzes proporcionadas pelas obras do Espírito pelo facto de nos deixarmos levar a pouco e pouco pela negligência; de contrário, seremos castigados pelos séculos sem fim por termos cegado em nós o olhar divino da fé, na medida em que tal estava nas nossas mãos. [...]
Aquele que não cumpre as ordens divinas da fé cega a fé. Pois, se as ordens de Deus são luz (cf Is 26,9, LXX), quem não cumpre as ordens de Deus está privado da luz divina. Esse deixa o chamamento divino sem resposta.
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(*) Texto disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-12-06>
1.12.2019
"Na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem"
São Bernardo
É justo, irmãos, celebrar a vinda do Senhor com a máxima devoção possível, tanto o seu conforto nos deleita […] e tanto o seu amor nos abrasa. Mas não penseis apenas na sua primeira vinda, quando Ele veio «buscar e salvar o que estava perdido» (Lc 19,10); pensai também neste outro advento, quando Ele vier para nos levar consigo. Gostaria de vos ver constantemente ocupados a meditar nesses dois adventos, […] repousando entre estes dois abrigos, porque estes são os dois braços do Esposo nos quais repousava a Esposa do Cântico dos Cânticos: «a sua mão esquerda descansa sobre a minha cabeça, e a sua direita abraça-me» (2,6). […]
Mas há uma terceira vinda entre as duas que mencionei, e os que a conhecem podem descansar para seu deleite. As outras duas são visíveis; esta não o é. Na primeira, o Senhor «apareceu sobre a Terra, onde permanece entre os homens» (Bar 3,38) […]; na última, «toda a criatura verá a salvação de Deus» (Lc 3,6; Is 40,5). […] A do meio é secreta: é aquela em que só os eleitos veem o Salvador dentro de si próprios, e em que a sua alma é salva.
Na sua primeira vinda, Cristo veio na nossa carne e na nossa fraqueza; na sua vinda intermédia, vem em Espírito e poder; na sua última vinda, virá na sua glória e majestade. Mas é pela força das virtudes que chegamos à glória, como está escrito: «O Senhor dos Exércitos, Ele é o Rei da glória» (Sl 23,10); e no mesmo livro: «Para ver o vosso poder e a vossa glória» (62,3). Portanto, a segunda vinda é como o caminho que leva da primeira à última. Na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na sua vinda intermédia, é nosso repouso e nossa consolação.
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(*) Texto disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-12-01>
24.11.2019
"Quando vieres com a tua realeza"
São João Crisóstomo
Abriu-se hoje para nós o paraíso, fechado há milhares de anos; neste dia, nesta hora, Deus introduziu nele o ladrão. Realizou assim duas maravilhas: abriu-nos o paraíso e fez entrar nele um ladrão. Hoje, Deus devolveu-nos a nossa pátria, reconduziu-nos à cidade dos nossos pais, abriu uma morada comum a toda a humanidade. «Hoje estarás comigo no Paraíso». Que dizes, Senhor? Estás crucificado, cravado com pregos, e prometes o Paraíso? Sim, diz Ele, para que, pela cruz, conheças o meu poder. […]
Não foi por ressuscitar um morto, por dominar o mar e o vento nem por expulsar os demónios que Ele conseguiu transformar a alma pecadora do ladrão, mas por ter sido crucificado, preso com pregos, coberto de insultos, de escarros, de troças e de ultrajes, para que tu conhecesses os dois aspetos do seu poder soberano: Ele fez tremer a criação e fendeu os rochedos (Mt 27,51); e atraiu a Si a alma do ladrão, mais dura do que a pedra, revestindo-a de honra. […]
Jamais rei algum permitiria, ao entrar soberanamente na cidade do seu reino, que um ladrão ou qualquer outro súbdito se sentasse a seu lado. Mas Cristo fê-lo: ao entrar na sua santa pátria, levou consigo um ladrão. Agindo deste modo […], não a desonra com a presença de um ladrão; bem pelo contrário, honra o Paraíso, porque é uma glória para o Paraíso que o seu Senhor torne um ladrão digno das delícias que ali se saboreiam. De igual modo, quando faz entrar os cobradores de impostos e as meretrizes no Reino dos Céus (Mt 21,31) […], fá-lo para glória desse lugar santo, mostrando assim que o Senhor do Reino dos Céus é tão grande que pode restituir a dignidade às meretrizes e aos cobradores de impostos, de maneira que estes se tornam merecedores de tal honra e de tal dom. Admiramos um médico quando o vemos curar homens que padecem de doenças consideradas incuráveis. É portanto justo que admiremos a Cristo […] quando O vemos devolver aos cobradores de impostos e às meretrizes tal santidade espiritual que se tornam dignos do Céu.
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(*) Texto disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-11-24>
17.11.2019
"Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas"*
São Máximo, o Confessor (c. 580-662), monge, teólogo
Aquele a quem, no tempo da prova, falta a paciência nas aflições que lhe chegam e se distancia do amor dos seus irmãos espirituais não tem ainda o amor perfeito nem o conhecimento profundo da Providência divina.
O objetivo da Providência divina é unificar, pela fé reta e o amor espiritual, aqueles que o mal separou de muitas maneiras. Foi para isso que o Salvador sofreu: para reunir na unidade (cf Jo 11,52) os filhos de Deus que estavam dispersos. Assim, pois, aquele que não suporta o que o perturba, que não sabe sofrer o que o aflige, que não assume o que lhe doi, não anda pelo caminho do amor divino e passa ao lado do objetivo da Providência. Se o amor é paciente e benévolo (cf 1Cor 13,4), aquele a quem falta coragem quado surgem as aflições, e por essa razão faz mal àqueles que o afligiram e se distancia do amor que lhes deve, não realiza o objetivo da Providência divina. [...] É paciente aquele que aguarda o fim da prova e recebe a glória da perseverança.
O homem paciente tem grande sabedoria (cf Prov 14,29, LXX), pois leva até ao fim tudo o que lhe acontece e suporta as aflições aguardando este fim. Ora, o fim é a vida eterna, segundo o Apóstolo (cf Rom 6,22). E a vida eterna é que Te conheçam, a Ti, único Deus verdadeiro, e Àquele a quem Tu enviaste, Jesus Cristo (cf Jo 17,3).
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(*) Texto disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-11-17>
10.11.2019
Dignidade: o dote sagrado*
Deus criou os seres humanos “à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou” (Gn 1,27). As pessoas do mundo inteiro carregam em si a imagem de Deus. Você, eu, o vizinho, o pobre, o indivíduo que vive no centro decadente da cidade, as pessoas infectadas com o vírus HIV/AIDS e até o pior dos bandidos guardam semelhança com Deus. O Senhor foi generoso. Ele compartilhou com cada pessoa algo de si mesmo que a torna absolutamente única – diferente de qualquer outro ser criado. Deus espera que vejamos o rosto dele quando olhamos para os outros.
Uma vez que todos nós carregamos a imagem de Deus, ninguém é insignificante, ninguém é desprezível. A vida tem sentido, e nós temos significado e importância porque Deus colocou a própria marca em nossa humanidade. Assim, temos de ver as pessoas como Deus as vê, trata-las como ele as trata e identifica-las como ele as identifica.
Logo, a aceitação contínua, incondicional baseia-se no fato de Deus haver conferido dignidade e valor a todos os seres humanos. Portanto, não há escolha. Ou tratamos as pessoas com o respeito e a dignidade que Deus lhes conferiu ou, com o nosso desprezo, profanamos a imagem de Deus que existe nelas. Não podemos honrar a Deus e, ao mesmo tempo, manipular, desumanizar e desrespeitar o semelhante.
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(*) Trecho do livro ELMER, Duane. Servindo ao próximo com a humildade de Cristo. São Paulo: Vida Nova, 2018. pp 80-81.
3.11.2019
"Hoje entrou a salvação nesta casa"
Santo Agostinho de Hipona
Quando se aproxima a festa da Páscoa, dizemos: «Amanhã é a Paixão do Senhor», quando na verdade foi há muitos anos que o Senhor padeceu a sua Paixão, que teve lugar de uma vez para sempre (Heb 9,26). Cada domingo temos razões para dizer: «Foi hoje que o Senhor ressuscitou»; ora, o facto é que já decorreram muitos anos desde que Cristo ressuscitou. Nesse caso, porque não nos criticam este «hoje», tomando-o como mentira?
Na verdade, usamos «hoje» porque este dia representa um regresso, no ciclo do tempo, ao dia em que teve lugar o acontecimento que comemoramos. Temos razões para dizer «hoje», pois cumpre-se hoje, pela celebração do mistério, o acontecimento que teve lugar há tanto tempo. Em Si mesmo, Cristo foi imolado de uma vez para sempre; contudo, é hoje imolado no mistério que celebramos, não apenas em cada festa pascal, mas todos os dias, para todos os povos. Não estamos, por isso, a mentir, quando afirmamos: «Hoje, Cristo foi imolado». Porque, se os sacramentos que cumprimos não tivessem uma verdadeira semelhança com a realidade de que são sinal, não seriam realmente sacramentos. Mas é justamente essa semelhança que permite designá-los pelo nome da realidade de que são sinal. Assim, o sacramento do corpo de Cristo que celebramos é, de alguma maneira, o corpo de Cristo; o mistério do sangue de Cristo que cumprimos é o sangue de Cristo. O mistério sacramental da fé é a realidade em que acreditamos.
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. Disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-11-03>
27.10.2019
O coração divino atraído pela nossa miséria
Santa Gertrudes de Helfta (monja beneditina)
Certo dia, na sua [de Gertrudes] meditação, tomou consciência da sua miséria interior, o que lhe provocou um tal desprezo por si própria que, ansiosa e perturbada, se perguntou como poderia agradar a Deus, que via todas as suas manchas, porque onde ela descobria apenas uma, o olhar divino e penetrante percebia uma infinidade.
Recebeu a consolação com a seguinte resposta divina: «O amor torna amável o amado». Compreendeu então que, se neste mundo, entre os homens, o amor tem tanta força que a própria fealdade agrada ao amante por causa do amor que lhe tem, chegando a fazer-lhe desejar, por amor, assemelhar-se ao amado, como poderia ela duvidar de que Aquele que é Deus-caridade pudesse, em virtude do amor, tornar amável aquele que ama? [...]
Doutra vez, a memória das suas culpas passadas lançou-a em tal confusão que apenas queria esconder-se para sempre; e eis que o Senhor Se inclinou para ela com tal reverência que toda a corte celeste, como que tomada de espanto, se empenhou em O conter; ao que o Senhor respondeu: «Não posso deixar de ir ter com aquela que puxa pelo meu coração divino com as sólidas cordas da humildade».
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. Disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-10-27>
20.10.2019
Oremos sem cessar para descobrirmos o esplendor do seu Reino
A invocação contínua de Jesus, quando acompanhada de um desejo pleno de ternura e alegria, permite que o espaço do coração se encha de alegria e serenidade pela graça da atenção extrema. Mas aquele que conduz ao seu termo a purificação do coração é Jesus Cristo, Filho de Deus e Deus, que é a origem e o Criador de todos os bens. Pois Ele diz: «Eu sou o Deus da paz» (Is 45,7). [...]
Façamos, como David, o esforço de gritar: «Senhor Jesus Cristo». Fiquemos roucos e que o olhar da nossa inteligência não deixe de esperar no Senhor nosso Deus (Sl 68,4). Se nos recordarmos da parábola do juiz iníquo, por meio da qual o Senhor nos diz que temos de rezar continuamente e não desfalecer (cf Lc 18,1), encontraremos ganho e justiça. [...]
A alma que, pela morte, se elevou nos ares, e que, às portas do Céu, tem Cristo consigo e por si, não será confundida pelos seus inimigos, mas, tal como agora, falar-lhes-á com segurança. Mas, até ao seu êxodo, não pode cansar-se de clamar noite e dia pelo Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus. E Ele, segundo a sua divina promessa que não engana, far-lhe-á justiça prontamente, como afirmou a propósito do juiz iníquo (cf Lc 18,1). Sim, eu vos digo que o fará, tanto na vida presente como quando ela tiver abandonado o seu corpo. [...]
É certo que nada disto vem de nós, mas de Deus, que no-lo deu. Ele que, no Pai, no Filho e no Espírito Santo, é louvado e glorificado por todas as naturezas racionais, pelos anjos, pelos homens, por toda a criação que vem da Trindade inefável, do Deus único. Possamos nós descobrir o esplendor do seu Reino, pelas súplicas da puríssima Mãe de Deus e dos nossos santos pais. Ao Deus inacessível, seja dada glória eterna.
Amém.
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. Disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-10-20>
13.10.2019
Francisco e os leprosos
Augustine Thompson
O encontro com os leprosos, e não o ato de tirar a roupa diante do bispo, foi para Francisco o centro de sua conversão religiosa. (...) Onde quer que estivesse o leprosário, lá Francisco se alojava com seus moradores e deles cuidava. (...) Foi uma reorientação pessoal dramática que produziu fruto espiritual. Ao mostrar misericórdia a esses excluídos, Francisco experimentou o dom de misericórdia de Deus para si mesmo. Enquanto ele limpava os corpos dos leprosos, vestia suas feridas e os tratava como seres humanos, recusando-se a fugir do horror, suas percepções mudaram. O que antes era feio e repulsivo passou a causar deleite e alegria, não apenas espiritualmente, mas também fisicamente.
O senso estético de Francisco, tão central à sua personalidade, havia sido transformado, até mesmo invertido. O veterano assustado sentiu-se, pela graça de Deus e não pelo próprio poder, transformado em um homem diferente. De repente, os pecados que o atormentavam pareciam desaparecer, e Francisco experimentou uma espécie de renascimento e cura espiritual. Pouco depois desse encontro, relatos posteriores nos dizem, talvez em alegoria, que Francisco estava andando por uma estrada e conheceu um desses mesmos leprosos. Ele abraçou o homem em seus braços e o beijou. O pesadelo espiritual de Francisco acabou; ele encontrou a paz.
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. Augustine Thompson, Francis of Assisi: A New Biography (Cornell University Press: 2012), 16-17.
. Disponível no site do Centro de Ação e Contemplação, no espaço da Meditação Diária, na quadragésima primeira semana, Caminho Franciscano: Parte Dois; Francisco e os Leprosos, Segunda-feira, 7 de outubro de 2019.
6.10.2019
"Então verás bem"
Fazei resplandecer, Senhor, o dia luminoso da vossa ciência e dissipai as trevas noturnas da nossa alma, para que seja iluminada e Vos sirva renovada e pura. O nascer do sol assinala aos mortais o começo das suas labutas; adornai, Senhor, a morada da nossa alma, para que nela permaneça o esplendor daquele dia que não tem fim.
Fazei, Senhor, que cheguemos a contemplar em nós mesmos a vida da ressurreição, e que nada consiga apartar o nosso espírito das vossas alegrias. Imprimi, Senhor, em nossos corações o sinal daquele dia que não se rege pelo movimento do Sol, infundindo-nos uma constante orientação para Vós.
Todos os dias Vos abraçamos nos sacramentos e Vos recebemos no nossos corpo; tornai-nos dignos de sentir em nós mesmos a ressurreição que esperamos. Com a graça do batismo, conservamos escondido no nosso corpo o tesouro que nos destes, esse tesouro que aumenta na mesa dos vossos sacramentos; fazei-nos viver sempre na alegria da vossa graça.
Nós Vos pedimos que, através daquela beleza espiritual que a vossa vontade imortal faz resplandecer mesmo nas criaturas mortais, nos leveis a compreender retamente a beleza da nossa própria dignidade. […]
A vossa ressurreição, ó Jesus, faça crescer em nós o homem espiritual e os sinais dos vossos sacramentos no-lo revelem como num espelho, para o conhecermos cada vez melhor. […] Concedei, Senhor, que caminhemos velozmente para a nossa pátria celeste e, como Moisés no alto do monte, a possamos desde já contemplar através da Revelação.
(Disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-09-13>.
29.9.2019
"Deus olha para o coração" (1Sam 16,7)
Terá o pobre sido recebido pelos anjos unicamente devido à sua pobreza? E terá o rico sido enviado para o lugar dos tormentos apenas pela sua riqueza? Não. No caso do pobre, o prémio foi para a humildade, e no caso do rico, a condenação foi para o orgulho.
Eis a prova de que não foi a riqueza mas o orgulho que levou a que o rico fosse castigado. O pobre foi levado para o seio de Abraão; ora, as Escrituras dizem de Abraão que ele tinha muito ouro e prata e que era rico na Terra (Gn 13,2). Mas, se todos os ricos são enviados para o lugar dos tormentos, como pôde Abraão receber o pobre no seu seio? Acontece que Abraão, com toda a sua fortuna, era pobre, humilde, respeitador e obediente às ordens de Deus. Ele tinha as suas riquezas em tão pouca conta que, quando Deus lho pediu, aceitou oferecer em sacrifício o filho a quem as destinava (Gn 22,4).
Aprendei, pois, a ser pobres e a ter necessidades, quer possuais alguma coisa neste mundo, quer não possuais nada. Porque há mendigos cheios de orgulho e ricos que confessam os seus pecados. "Deus resiste aos orgulhosos", estejam eles cobertos de seda ou de trapos, "mas dá a sua graça aos humildes" (Tg 4,6), quer eles possuam, ou não, bens deste mundo. Deus olha para o interior; é aí que avalia, é aí que examina.
Santo Agostinho de Hipona
22.9.2019
Todos somos como vibrações localizadas da infinita bondade da presença de Deus. Então, o amor é a nossa própria natureza. O amor é nosso primeiro, meio e último nome. Amor é tudo; não o [amor como] sentimentalismo, mas o amor que é auto esquecido e sem interesse próprio.
Isso também é maravilhosamente exemplificado na vida e obra de Gandhi. Ele nunca tentou ganhar nada. Ele apenas tentou mostrar amor; e é isso que ahimsa realmente significa. Não é apenas um negativo. A não-violência não captura seu significado. Significa mostrar amor incansavelmente, não importa o que aconteça. Esse é o significado de dar a outra face. De vez em quando você precisa defender alguém, mas isso significa que você está sempre disposto a sofrer primeiro pela causa - ou seja, pela comunhão com seus inimigos. Se você vencer seus inimigos, você falhou. Se você faz de seus inimigos seus parceiros, Deus conseguiu.
Thomas Keating, osb.
15.9.2019
A ovelha perdida
Senhor Jesus Cristo, nosso Deus, não tenho um coração que empreenda partir à tua procura, nem arrependimento, nem ternura, nada daquilo que devolve aos filhos a sua herança. Mestre, não tenho lágrimas para Te implorar. Tenho o espírito obscurecido pelas coisas desta vida, sem forças para tender para Ti na sua dor. O meu coração permanece frio nas provas, sem que as lágrimas do amor por Ti consigam aquecê-lo. Mas Tu, Senhor Jesus Cristo, meu Deus, tesouro dos bens, dá-me um arrependimento total e um coração dorido, a fim de que parta à tua procura com toda a minha alma, pois sem Ti ficarei privado de todo o bem; ó bom Deus, dá-me a tua graça. Que o Pai, que, fora do tempo, na eternidade, Te gerou no seu seio, renove em mim as formas da tua imagem.
Eu abandonei-Te, não me abandones Tu. Saí de Ti; vem Tu à minha procura. Conduz-me às tuas pastagens; conta-me entre as ovelhas do teu rebanho eleito. Como a elas, alimenta-me com a erva verde dos teus mistérios divinos, cuja morada é um coração puro, esse coração que transporta em si o esplendor das tuas revelações, a consolação e a doçura daqueles que se esforçaram por Ti nos tormentos e nos ultrajes. Possamos ser dignos de tal esplendor, pela tua graça e o teu amor pelo homem, Tu, que és o nosso Salvador, Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém.
Monge Isaac, o sírio (século VII)
8.9.2019
Oferecer a Deus o nosso verdadeiro tesouro
Muitos dos que, para seguirem a Cristo, desprezaram fortunas consideráveis, enormes quantias de ouro e de prata e propriedades magníficas, mais tarde deixaram-se apegar a um raspador, a um estilete, a uma agulha, a um junco de escrita. [...] Depois de terem distribuído todas as suas riquezas por amor a Cristo, recuperaram a anterior paixão e aplicaram-na a futilidades, sendo capazes de se deixar levar pela cólera para as manter. Não tendo a caridade de que fala São Paulo, a sua vida foi tocada pela esterilidade. O bem-aventurado apóstolo previu essa infelicidade: «Ainda que eu distribua todos os meus bens pelos pobres e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita», dizia (1Cor 13,3). Prova evidente de que não atingimos de imediato a perfeição pela simples renúncia a todas as riquezas e pelo desprezo de todas as honras, se a isso não juntarmos a caridade cujas características o apóstolo descreve.
Ora, esta caridade apenas se encontra na pureza do coração. Porque rejeitar a inveja, a arrogância, a ira e a frivolidade, não procurar o próprio interesse, não se alegrar com a injustiça, não guardar ressentimento e tudo o resto (1Cor 13,4-5), que é tudo isso se não oferecer continuamente a Deus um coração perfeito e puro, e mantê-lo livre das moções das paixões? Assim, a pureza do coração deve ser o fim último das nossas ações e dos nossos desejos. (São João Cassiano)
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Disponível em <https://www.evangelhoquotidiano.org/PT/gospel/2019-09-08>
1.9.2019
Seguir a Cristo, ser o último servo
[Diz Cristo:] Vede a minha dedicação aos homens para perceberdes como deve ser a vossa. Vede essa humildade para bem do homem e aprendei a abaixar-vos para fazer o bem [...], a tornar-vos pequenos para ganhar os outros, a não receardes descer, perder os vossos direitos, para fazer o bem, a não acreditardes que, descendo, perdeis a capacidade de fazer o bem. Pelo contrário, quando desceis, imitais-Me; ao descer, empregais, por amor aos homens, o meio que Eu próprio empreguei; ao descer, caminhais pelo meu caminho e, por conseguinte, na verdade; e estais na melhor situação para ter a vida e a dar aos outros. [...] Eu ponho-Me ao nível das criaturas pela minha encarnação, ao nível dos pecadores [...] pelo meu batismo: descida, humildade. [...] Descei sempre, humilhai-vos sempre.
Que os que são os primeiros se mantenham sempre no último lugar, pela sua humildade e a sua disposição de espírito, em sentimento de descida e de serviço. Amor aos homens, humildade, último lugar: no último lugar enquanto a vontade divina não vos chamar a outro, porque nessa altura é preciso obedecer. Primeiro que tudo, a obediência, a conformidade com a vontade de Deus. Quando estiverdes no primeiro lugar, mantende-vos no último em espírito, pela humildade; ocupai-o em espírito de serviço, sabendo que só estais nesse lugar para servir os outros e os conduzir à salvação. (Beato Charles de Foucauld)
25.8.2019
Aos nossos oponentes mais amargos, dizemos: Devemos corresponder à sua capacidade de infligir sofrimento com a nossa capacidade de suportar o sofrimento. Nós devemos encontrar sua força física com a força da alma. Faça conosco o que você quiser e continuaremos a amá-lo. Não podemos, com toda a boa consciência, obedecer às suas leis injustas, porque a não-cooperação com o mal é tanto uma obrigação moral quanto a cooperação com o bem. Nos jogue na cadeia e nós ainda amaremos você. Bombardeie nossas casas e ameace nossos filhos, e nós ainda amaremos você. Mande seus perpetradores de violência encapuzados para nossas comunidades à meia-noite e nos derrube e deixe-nos meio mortos, e ainda assim vamos amá-lo. Mas esteja certo de que vamos abatê-lo com a nossa capacidade de sofrer. Um dia vamos ganhar a liberdade, mas não só para nós mesmos. Vamos apelar para o seu coração e consciência para que possamos conquistá-lo no processo, e nossa vitória será uma vitória dupla. (Martin Luther King Jr.)
18.8.2019
"Dou-vos a minha paz" (Jo 14,27)
A paz não é ausência de guerra, nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação despótica. Com toda a exatidão e propriedade, é chamada "obra da justiça" (Is 32,7). É um fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana, e que deve ser realizada pelos homens, sempre anelantes por uma justiça mais perfeita. […] Por esta razão, a paz não se alcança de uma vez para sempre, antes deve ser constantemente edificada. (...) A busca da paz exige o constante domínio das paixões de cada um e a vigilância da autoridade legítima. Mas tudo isto não basta. […] Absolutamente necessárias para a edificação da paz são ainda a vontade firme de respeitar a dignidade dos outros homens e povos, e a prática assídua da fraternidade. Assim, a paz é também fruto do amor, o qual vai além do que a justiça consegue alcançar.
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Obs.: Na linha do ecumenismo, trazemos, nesta semana, um trecho de "Gaudium et spes", do Concílio do Vaticano II da Igreja Romana.
11.8.2019
Desperta em Ti o meu espírito adormecido!
Santa Gertrudes de Helfta
Meu Jesus dulcíssimo, Esposo bem-amado, desperta agora em Ti o meu espírito adormecido; na tua morte, dá-me uma vida que seja vivida só por Ti. Dá-me uma existência que corresponda dignamente ao preço do teu sangue. Dá-me um espírito que Te saboreie, um coração que Te sinta, uma alma que compreenda a tua vontade, uma virtude que realize o que Te agrada, a estabilidade que persevere contigo. E, pela tua graça, à hora da minha morte, abre-me sem demoras a porta do teu coração dulcíssimo, a fim de que, por Ti, eu mereça penetrar sem obstáculos na câmara nupcial do teu vivo amor, onde gozarei de Ti e Te possuirei, a Ti, que és a verdadeira alegria do meu coração. Amém.
4.8.2019
Amontoar para si próprio ou ser rico aos olhos de Deus?
São João Maria Vianney
"Que hei de fazer? Vou aumentar os meus celeiros!" Porque eram as terras deste homem tão produtivas, se ele fazia tão mau uso da sua riqueza? Para melhor se ver a imensa bondade de um Deus que estende a sua graça a todos, "pois Ele faz que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores" (Mt 5,45). [...] Eram estes os benefícios de Deus para com este rico: uma terra fecunda, um clima temperado, abundantes colheitas, bois para o trabalho, e tudo o que assegurasse a prosperidade. E ele, o que dava em troca? Mau humor, taciturnidade e egoísmo: era assim que agradecia ao seu benfeitor.
Esquecia que pertencemos todos à mesma natureza humana; não pensou que devia distribuir o que lhe sobrava aos pobres; não fez nenhum caso destes mandamentos divinos: "não negues um benefício a quem precisa dele, se estiver nas tuas mãos concedê-lo" (Prov 3,27), «não se afastem de ti a bondade e a fidelidade» (3,3), "partilha o teu pão com quem tem fome" (Is 58,7). Todos os profetas, todos os sábios lhe gritavam estes preceitos, mas ele fazia ouvidos de mercador. Os seus celeiros rachavam, pequenos para o trigo que neles se acumulava, mas o seu coração não estava satisfeito. [...] Ele não queria desfazer-se de nada, mesmo não chegando a armazenar tudo. Este problema incomodava-o: "Que hei de fazer?" perguntava constantemente. Quem não terá piedade de um homem assim obcecado? A abundância tornava-o infeliz [...]; lamentava-se como se lamentam os indigentes: "Que hei de fazer? Como hei de alimentar-me e vestir-me?" [...]
Observa, homem, quem foi que te cumulou de dons. Reflete um pouco sobre ti próprio: Quem és tu? O que te foi confiado? De quem recebeste esse encargo? Porque foste tu o escolhido? Tu és servo de Deus; tens a teu cargo os teus companheiros. [...] "Que hei de fazer?" A resposta é simples: "Saciarei os famintos, convidarei os pobres. [...] Vós todos a quem falta o pão, vinde possuir os dons que me foram concedidos por Deus, jorrando como que de uma fonte".
14.7.2019
Cristo vem em auxílio da humanidade ferida
Santo Efrém (c. 306-373)
"'Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?' Jesus disse-lhe: 'Amarás ao Senhor, teu Deus [...] e amarás ao teu próximo como a ti mesmo'" (Mt 22,36-39). O amor a Deus poupa-nos à morte e o amor aos homens poupa-nos ao pecado, pois ninguém peca contra aquele a quem ama. Mas que coração poderá possuir em plenitude o amor ao seu próximo? Que alma poderá fazer frutificar em si mesma, para com toda a gente, o amor nela semeado por este preceito: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo»? Os nossos meios são incapazes, por si sós, de ser instrumentos da vontade rápida e rica de Deus: para tal, é necessário o fruto da caridade semeado pelo próprio Deus.
Deus pode, pela sua natureza, realizar tudo o que quer; ora, Ele quer dar a vida aos homens. Os anjos, os reis, os profetas [...] passaram, mas os homens aó foram salvos quando desceu dos céus Aquele que nos toma pela mão e nos ressuscita.
7.7.2019
"Começou a enviá-los dois a dois"
São Cirilo de Alexandria (380-444)
Nosso Senhor Jesus Cristo constituiu-os guias e mestres do mundo e «dispensadores dos seus divinos mistérios» (1Cor 4,11) e mandou-lhes que brilhassem como lâmpadas acesas e iluminassem não só o país dos judeus [...], mas tudo o que está debaixo do sol, todos os os habitantes da Terra (Mt 5,14). [...]
Com efeito, querendo enviar os seus discípulos como o Pai O tinha enviado a Ele, era necessário que, para poderem imitá-l'O na perfeição, eles compreendessem bem o mandato do Pai ao Filho. Por isso, explicou-lhes de muitas maneiras os objetivos da sua missão. Certa vez, disse-lhes: «Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores» (Lc 5,32); e ainda: « Desci do Céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade d'Aquele que Me enviou» (Jo 6,38); e doutra vez: «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3,17).
Definida assim em poucas palavras a missão dos Apóstolos, explicou-lhes que os enviava como Ele fora enviado pelo Pai, para que soubessem que era seu dever chamar os pecadores à conversão; sarar os enfermos, tanto do corpo como do espírito; nunca procurar a própria vontade, mas a d'Aquele por quem tinham sido enviados; e salvar o mundo com a sua doutrina.
30.7.2019
"Segue-me"
Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) (1891-1942)
O Salvador precedeu-nos no caminho da pobreza. Todos os bens do Céu e da Terra Lhe pertenciam. Não constituíam perigo para Ele: podia usá-los mantendo o seu coração inteiramente livre. Mas Ele sabia que era impossível um ser humano possuir bens sem se subordinar a eles e se tornar seu escravo. Por isso, abandonou tudo, mostrando--nos com o seu exemplo, mais do que com palavras, que só possui tudo aquele que nada possui.
O nascimento num estábulo e a fuga para o Egito mostravam já que o Filho do homem não haveria de ter onde repousar a cabeça. Quem quiser segui-l'O deve portanto saber que não temos aqui em baixo morada permanente. Quanto mais vivamente tomarmos consciência disto, mais ardentemente tenderemos para a nossa morada futura e exultaremos com o pensamento de que temos direito de cidadania no Céu.
23.6.2019
"Tome a sua cruz todos os dias e siga-Me"
Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) (1891-1942)
O peso da cruz que Cristo carregou é o peso da decadência humana, com o seu cortejo dos pecados e sofrimentos que atingem a humanidade. O sentido do caminho da cruz é libertar o mundo desse fardo. […] Sendo a nossa felicidade a união com Cristo e sendo a progressão em direção a essa união a nossa bênção nesta Terra, o amor à cruz não entra de modo nenhum em contradição com a alegria de ser filho de Deus. Ajudar Cristo a levar a cruz proporciona uma alegria pura e profunda. Aqueles a quem é dada essa possibilidade e essa força — os construtores do Reino de Deus — são mais autenticamente filhos de Deus.
A predileção pelo caminho da cruz também não significa ter pena por ver passada a Sexta-feira Santa e concluída a obra de redenção; pois só os seres que foram salvos, os filhos da graça, podem carregar a cruz de Cristo. Só a sua união ao divino Mestre confere ao sofrimento humano uma força penitencial. […]
Permanecer de pé e avançar pelos sendeiros rudes e lamacentos desta Terra, estando com Cristo à direita do Pai; rir e chorar com os filhos do mundo e cantar sem cessar os louvores do Senhor com o coro dos anjos — tal é a vida do cristão, até que nasça a manhã da eternidade.
16.6.2019
"Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens"
São Cromácio de Aquileia
O Senhor tinha chamado aos seus discípulos "sal da terra", porque eles despertariam, com o paladar da sabedoria celeste, os corações dos homens amortecidos pelo demónio. Agora chama-lhes "luz do mundo" porque, iluminados por Ele, que é a luz eterna e verdadeira, se tornarão, por sua vez, uma luz nas trevas (Jo 1,5). Porque Ele próprio é o "Sol da justiça" (Mal 3,20), pode também chamar aos seus discípulos "luz do mundo"; é através deles, como raios incandescentes, que o Senhor derrama a luz do conhecimento sobre a Terra inteira. Com efeito, eles expulsarão as trevas do erro para longe do coração dos homens, mostrando-lhes a luz da verdade.
Iluminados por eles, também nós, de trevas que éramos, nos tornámos luz, como diz São Paulo: "Outrora éreis trevas; agora, no Senhor, tornastes-vos luz. Vivei como filhos da luz" (Ef 5,8). E também: "Não pertenceis à noite nem às trevas; sois filhos da luz, filhos do dia" (1Tes 5,5). São João teve razão ao afirmar na sua carta: "Deus é luz; aquele que permanece em Deus está na luz, tal como Ele mesmo está na luz (1Jo 1,5-7). Uma vez que temos a alegria de ter sido libertados das trevas do erro, devemos viver na luz e caminhar na luz, como verdadeiros filhos da luz.
9.6.2019
O Espírito Santo Paráclito
São João Maria Vianei (o Cura D'Ars)
O homem nada é por si mesmo, mas com o Espírito Santo é muito. O homem é todo terreno e todo animal; só o Espírito Santo pode elevar a sua alma e conduzi-lo ao alto.
Tal como as lentes que aumentam os objetos, o Espírito Santo permite-nos ver o bem e o mal em grande. Com o Espírito Santo, vemos tudo em grande: vemos a grandeza das mais pequenas ações feitas por Deus, e a grandeza das mais pequenas faltas. Tal como um relojoeiro distingue, com a ajuda da lupa, as menores roldanas de um relógio, assim também, com a luz do Espírito Santo, nós distinguimos todos os pormenores da nossa pobre vida.
Sem o Espírito Santo, tudo é frio; por isso, quando sentimos que estamos a perder o fervor, convém-nos muito fazer depressa uma novena ao Espírito Santo, a pedir que nos aumente a fé e o amor!
2.6.2019
"Se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas se Eu for, Eu vo-l’O enviarei"
Meu Deus, eterno Paráclito, adoro-Te, a Ti que és luz e vida. Podias ter-Te limitado a enviar-me de fora bons pensamentos, para além da graça que os inspira e os realiza; poderias conduzir-me pela vida dessa maneira, limitando-Te a purificar-me, pela tua ação interior, no momento da minha passagem para o outro mundo. Na tua compaixão infinita, porém, entraste na minha alma desde o começo, dela Te apossaste, dela fizeste o teu templo. Pela tua graça, habitas em mim de modo inefável, unindo-me a Ti e a toda a assembleia dos anjos e dos santos. Mais ainda, estás pessoalmente presente em mim, não apenas pela tua graça, mas pelo teu próprio ser, como se, mantendo embora a minha personalidade, eu fosse de alguma maneira absorvido em Ti, a partir dessa vida. E, como quiseste mesmo apossar-Te do meu corpo, na sua fraqueza, ele se tornou igualmente templo teu (1Cor 6,19). Verdade espantosa e temível! Ó meu Deus, creio que assim é, sei que assim é!
Poderei pecar, estando Tu tão intimamente comigo? Poderei esquecer quem está comigo, quem está em mim? Poderei expulsar o hóspede divino por via daquilo que Ele abomina mais do que tudo, da única coisa que pode ofendê-l'O, da única realidade que não é sua? […] Meu Deus, possuo uma dupla segurança contra o pecado: a primeira é o temor de semelhante profanação, na tua presença, de tudo quanto és em mim; a segunda é a confiança de que essa mesma presença me protegerá do mal. […] Nas provas e na tentação, chamarei por Ti. […] Graças a Ti, nunca Te abandonarei.
Beato John Henry Newman (1801-1890)
26.5.2019
"Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada"
"Meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada". Considerai, irmãos muito amados, que festa não é receber a Deus na morada do nosso coração! Se um amigo rico e poderoso quisesse entrar em nossa casa, evidentemente, toda a casa seria limpa, para que nada pudesse chocar o seu olhar quando entrasse. Que aquele que prepara para Deus a morada da sua alma purifique tudo o que estiver sujo devido às suas más ações.
Notai bem o que diz a Verdade: "Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada". Porque Ele pode passar no coração de alguns sem ficar lá a morar. Quando esses têm remorsos, veem claramente o olhar de Deus; mas, quando vem a tentação, esquecem o objeto do seu arrependimento anterior e caem de novo nos seus pecados, como se nunca os tivessem chorado. Pelo contrário, o Senhor vem morar no coração daquele que ama verdadeiramente a Deus e que observa os seus mandamentos, pois o amor de Deus preenche-o de tal modo que não se afasta desse amor no momento da tentação. Portanto, é esse, cuja alma não aceita ser dominada por um mau prazer, que ama verdadeiramente a Deus. [...] Daí esta afirmação: «Quem Me não ama não guarda a minha palavra». Examinai-vos cuidadosamente a vós próprios, irmãos muito amados; perguntai-vos se amais verdadeiramente a Deus. Mas não vos fieis na resposta do vosso coração sem a comparar com os vossos atos.
São Gregorio Magno
19.5.2019
"Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros"
"Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros". [...] Na verdade, este mandamento renova o homem que o ouve, ou melhor, que lhe obedece; não se trata, porém, do amor puramente humano, mas daquele que o Senhor quis distinguir, acrescentando: "Como Eu vos amei", [...] "para os membros terem a mesma solicitude uns para com os outros. Assim, se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria" (1Cor 12,25-26). Porque eles ouvem e observam a palavra do Senhor: "Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros". Não como se amam os que vivem na corrupção da carne; nem como se amam os seres humanos apenas como seres humanos; mas como se amam aqueles que são "deuses" (Jo 10,35) e "filhos do Altíssimo" (Lc 6,35). Deste modo, tornam-se irmãos do Filho Unigênito de Deus, amando-se uns aos outros com aquele amor com que Ele os amou, e por Ele serão reconduzidos à plenitude final, onde os seus desejos serão completamente saciados de bens. Então nada faltará à sua felicidade, quando Deus for "tudo em todos" (1Cor 15,28). [...]
Aquele que ama o seu semelhante com espiritual e puro amor, não amará nele senão a Deus? É para distinguir este amor da afeição puramente natural que o Senhor acrescenta: "como Eu vos amei", pois quem amou Ele em nós a não ser o próprio Pai? Não o Pai tal como já O possuímos, mas tal como Ele pretende que O possuamos quando Deus for "tudo em todos". O médico ama os seus doentes não por causa da doença, mas por causa da saúde que quer restituir-lhes: "que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei". Foi para isto que Ele nos amou, para que nos amássemos uns aos outros.
Santo Agostinho de Hipona (c. 354-430)
12.5.2019
"Dou-lhes a vida eterna"
O Senhor diz: «As minhas ovelhas escutam a minha voz. Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me. Eu dou-lhes a vida eterna». Delas tinha dito um pouco antes: «Se alguém entrar por Mim, será salvo; poderá entrar e sair e encontrará pastagem» (Jo 19,9). Entrará efetivamente, abrindo-se à fé; sairá passando da fé à visão e à contemplação, e encontrará pasto abundante no banquete eterno.
As suas ovelhas, portanto, encontram pastagens, porque todo aquele que O segue na simplicidade de coração é nutrido com um alimento de eterna frescura. Que são afinal as pastagens destas ovelhas, senão as profundas alegrias de um paraíso sempre verdejante? O alimento dos eleitos é o rosto de Deus, sempre presente. Ao contemplá-lo sem interrupção, a alma sacia-se eternamente com o alimento da vida.
Procuremos pois, irmãos caríssimos, alcançar estas pastagens, onde poderemos alegrar-nos na companhia dos cidadãos do Céu. A alegria festiva dos bem-aventurados nos estimule. Reanimemos o nosso espírito, irmãos; afervore-se a nossa fé nas verdades em que acreditamos; inflame-se a nossa inspiração pelas coisas do Céu. Amar assim já é caminhar. Nenhuma contrariedade nos afaste da alegria desta solenidade interior. Se alguém, com efeito, deseja atingir um lugar determinado, não há obstáculo no caminho que o demova do seu intento. Nenhuma prosperidade sedutora nos iluda. Insensato seria o viajante que, contemplando a beleza da paisagem, se esquecesse de continuar a sua viagem até ao fim.
São Gregório Magno (c. 540-604)
5.5.2019
Soprou sobre eles e disse-lhes: "Recebei o Espírito Santo"
Senhor Jesus Cristo, faz com que voltemos a ter «um só coração e uma só alma» (At 4,32), porque, nesse momento, far-se-á «uma grande calma» (Mc 4,39). Meus caros irmãos, exorto-vos à amizade e à benevolência entre vós, e à paz entre todos; porque, se tivermos caridade entre nós, teremos a paz e o Espírito Santo. Temos de ser piedosos e de rezar [...], porque os apóstolos eram perseverantes na oração. [...] Se começarmos a rezar fervorosamente, o Espírito Santo virá sobre nós e dirá: «Tranquilizai-vos, sou Eu: não temais!» (cf Mc 6,50) [...] E que devemos pedir a Deus, meus irmãos? Tudo o que for para sua honra e para a salvação das nossas almas; numa palavra, a ajuda do Espírito Santo: «Se lhes envias o teu Espírito [...], renovas a face da Terra» (Sl 104, 30). [...]
Temos de pedir essa paz, para que o Espírito da paz desça sobre nós. Temos também de dar graças a Deus por todos os seus benefícios, se quisermos que Ele nos conceda as vitórias que são o início da paz; e, para obtermos o Espírito Santo, temos de agradecer a Deus Pai que O enviou, primeiramente, ao nosso mestre, Jesus Cristo, Nosso Senhor, seu Filho [...], porque «todos nós participamos da sua plenitude» (cf. Jo 1,16), e porque O enviou aos seus Apóstolos para que no-l'O comunicassem, impondo sobre nós as mãos. Temos de agradecer ao Filho: tal como Deus, Ele envia-nos o Espírito; sendo Deus, envia o Espírito aos que se dispõem a recebê-l'O. Mas, sobretudo, temos de agradecer porque, sendo homem, nos mereceu a graça de recebermos o Divino Espírito [...].
E como é que Jesus nos mereceu a vinda do Espírito Santo? «Inclinando a cabeça, entregou o espírito» (Jo 19,30); porque, entregando o seu último suspiro e o seu espírito ao Pai, mereceu-nos que o Pai enviasse o Espírito ao seu corpo místico.
São Francisco de Sales (1567-1622)
28.4.2019
O AMOR OU O MESMO NOME DE DEUS
Deus é amor (1 Jo 4,8). E aquele que deseja defini-Lo é um cego disposto a contar os grãos de areia do mar.
O amor em sua natureza é semelhante a Deus, de modo que é possível que os mortais sejam semelhantes a Ele; quanto à sua atividade, é uma embriaguez da alma; quanto à sua própria virtude, é a fonte da fé, um abismo de paciência, um oceano de humildade.
O amor é antes de tudo a rejeição de todo pensamento de inimizade, pois ele não pensa no mal. O amor, a não passividade e a adoção filial são distinguidas apenas pelo nome. Como a luz, o fogo ou a chama têm apenas um efeito, o mesmo acontece com essas três realidades.
Aquele que está unido perfeitamente a Deus tem a sua profunda sensibilidade iniciada por Ele nos mistérios de sua palavra, mas sem essa união é difícil falar de Deus.
Se o rosto de um ente querido produz uma mudança evidente em todo o nosso ser e nos faz feliz, alegre e despreocupado, o que não fará a face do Senhor em uma alma pura quando se trata de nela permanecer?
São João Clímaco <https://lahesiquia.wordpress.com/ 2019/04/18/la-caridad-o-el-mismo-nombre-de-dios/>
21.4.2019
Dia da Ressurreição, dia da nossa alegria!
"Eis o dia que fez o Senhor; nele exultemos e rejubilemos!" (Sl 117,24). Porquê? Porque o sol recuperou o seu fulgor e tudo se ilumina; porque o véu do Templo já não está rasgado: a Igreja foi revelada; porque já não temos na mão os ramos de palmeira, mas rodeamos os novos batizados.
"Eis o dia que fez o Senhor!" [...] Eis o dia em sentido próprio, o dia triunfal, o dia dedicado a festejar a ressurreição, o dia em que nos revestimos de graça, o dia em que partilhamos o Cordeiro espiritual, [...] o dia em que se realiza o plano da Providência em favor dos pobres. "Exultemos e rejubilemos neste dia!" [...]
Tu manifestas a tua força escolhendo a indigência. [...] As vestes dos discípulos eram a marca da indigência, mas proporcional ao teu poder era o hino das crianças e a afluência da multidão que bradava: "Hossana – quer dizer: Salva-nos, Tu que estás no mais alto dos Céus. Salva, ó Altíssimo, os humildes. Tem piedade de nós, por atenção às nossas palmas; os ramos que se agitam moverão o teu coração, Tu que vens chamar Adão". [...]
Eis o dia em que Adão foi devolvido à liberdade, em que Eva foi libertada da sua pena, em que a morte selvagem estremeceu, em que o poder das pedras se quebrou, em que os ferrolhos dos túmulos foram arrancados [...], em que as leis imutáveis dos poderes infernais foram anuladas, em que os céus se abriram e Cristo, Nosso Senhor, ressuscitou. Eis o dia em que, para bem dos homens, a planta verdejante e fértil da ressurreição multiplicou os seus rebentos em todo o universo como num jardim, em que os lírios dos novos batizados desabrocharam, em que a multidão dos crentes rejubila, em que as coroas dos mártires reverdejam. "Eis o dia que fez o Senhor; nele exultemos e rejubilemos!"
Homilia atribuída a São João Crisóstomo (c. 345-407),
presbítero de Antioquia, bispo de Constantinopla, doutor da Igreja
14.4.2019
"Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor!" (Lc 19,38)
No Céu, sentado no teu trono, cá em baixo sentado num burrinho, Cristo, Tu que és Deus, acolhias os louvores dos anjos e os hinos das crianças que Te cantavam: «Bendito sejas, Tu que vens chamar Adão». [...]
Eis o nosso Rei, manso e pacífico, montado num jumentinho, com pressa de sofrer a sua Paixão e limpar os nossos pecados. O Verbo, Sabedoria de Deus, vem montado num animal para salvar os seres dotados de razão. E pudemos contemplar, sentado no dorso de um burrico, Aquele que conduz os Querubins e que no passado fez subir Elias num carro de fogo, Aquele que, «sendo rico, se fez pobre» voluntariamente (2Cor 8,9), Aquele que, escolhendo a fraqueza, dá força a quantos clamam: «Bendito sejas, Tu que vens chamar Adão». [...]
Tu manifestas a tua força escolhendo a indigência. [...] As vestes dos discípulos eram a marca da indigência, mas proporcional ao teu poder era o hino das crianças e a afluência da multidão que bradava: «Hossana – quer dizer: Salva-nos, Tu que estás no mais alto dos Céus. Salva, ó Altíssimo, os humildes. Tem piedade de nós, por atenção às nossas palmas; os ramos que se agitam moverão o teu coração, Tu que vens chamar Adão». [...]
Ó criatura da minha mão, respondeu o Criador [...], eis que vim Eu próprio. Não será a Lei a salvar-te, pois não foi ela que te criou, nem os profetas, que eram criaturas como tu. Só Eu posso libertar-te da tua dívida. Eu fui vendido por ti, para te libertar; fui crucificado por causa de ti, para que possas escapar à morte; morro, e ensino-te a clamar: «Bendito sejas, Tu que vens chamar Adão».
Amei assim os anjos? Não, és tu, o miserável, que me és querido. Escondi a minha glória e eu, o Rico, fiz-Me pobre deliberadamente, por teu amor. Por ti, sofri a fome, a sede, a fadiga. Percorri montanhas, ravinas e vales à tua procura, ovelha perdida; tomei o nome de cordeiro para te trazer de volta, atraído pela minha voz de pastor, e quero dar a minha vida por ti, para te arrancar das garras do lobo. Tudo isto suporto para que possas bradar: «Bendito sejas, Tu que vens chamar Adão».
São Romano, o Melodista (?-c. 560), compositor de hinos - Hino 32
31.3.2019
O SILÊNCIO DA INOCÊNCIA
“O silêncio não é virtude, mas dele seguem todas as virtudes. O barulho não é pecado, mas dele seguem todos os males.
O olho limpo é olho silencioso. É olho transparente. E o silêncio é isso: pura transparência. O silêncio é o translúcido, o límpido, o nítido. A ausência de todo embaçamento, de todo empecilho. O silêncio é impoluto, sem mancha.
Mas insistimos: entendido este silêncio em sua positividade tem seu nome: pureza.
Assim, quando o Senhor fala da recepção de sua Palavra, ele gosta de expressá-la sob a analogia da terra e do cultivo. Sua Palavra é a semente que, para ser fecunda, para germinar, requer uma terra livre de ervas daninhas, livre de pedras; uma terra quebrada, aberta e franca ... uma terra silenciosa.
É notável como a criança (que é um paradigma do puro) é naturalmente silenciosa. Somente se for exacerbada, se for estimulada, se receber gritos, torna-se ruidosa. Se não, a criança brinca e contempla em seu murmúrio mágico, em seu paraíso de calma.
Nascer de novo, do Alto, tornar-se criança novamente, tem mais a ver com o silêncio do que pensamos. E há um desejo secreto que nos magnetiza a esse silêncio (o silêncio embrionário, envolvente), que é um desejo de Origem, que é nostalgia da pureza perdida, do paraíso perdido. Há que se deixar levar por essa nostalgia, que é um cão-guia fiel.
Quem lá retorna, vive esse clima límpido como uma superabundância de silêncio. As palavras atrapalham, sujas, turvam a intocada transparência do rosto do Senhor adorado, sem ruídos ou mediações.
Fazer silêncio custa. Mas no silêncio nada custa. É como o escopo, o ethos e o pathos de todas as virtudes adquiridas.
O silêncio é o espelho limpo da alma pura, que reflete apenas o divino que recebe, sem aditivos, sem manchas, sem brilho, como a lua silenciosa reflete o sol.
E assim como para os puros tudo é puro, para a alma silenciosa, tudo é silencioso: tudo expressa silêncio.
Isso é silêncio como pureza. ”
Padre Diego de Jesus. Silêncio e Oração.
Conferência na Basílica de Santo Domingo, Córdoba, 5 de outubro de 2017.
24.3.2019
SOLITÁRIOS
O solitário é alguém chamado a tomar uma das decisões mais terríveis para o ser humano: a decisão de discordar completamente daqueles que imaginam que o apelo à diversão e ao auto-engano é a voz da verdade e que eles podem apelar a toda a autoridade da verdade de seus preconceitos para provar isso.
O preço da fidelidade nessa tarefa é uma humildade completamente consagrada, um vazio do coração no qual a presunção não se encaixa. Bem, se as profundezas de sua alma não estiver vazia e indivisa, o solitário não será nada mais que um individualista. E, neste caso, seu inconformismo será apenas um ato de rebelião: a substituição de ídolos e ilusões preferidos pela sociedade pelos de sua preferência. E, sem dúvida, este é o maior perigo. É futilidade e loucura, e só leva à ruína.
A vocação da solidão não é a vocação do caloroso sonho narcísico de uma religião privada.
Ermitaño Urbano.
17.3.2019
Moisés e Elias [...] falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém
Neste dia apareceu misteriosamente no Monte Tabor a condição da vida futura e do Reino da alegria. Neste dia, os mensageiros da Antiga e da Nova Aliança reuniram-se de forma extraordinária em torno de Deus na montanha, portadores de um mistério cheio de paradoxos. Neste dia, desenhou-se no Monte Tabor o mistério da Cruz, que, pela morte, dá a vida: assim como Cristo foi crucificado entre dois homens no Monte Calvário, assim também Se apresentou na majestade divina entre Moisés e Elias. E a festa de hoje mostra-nos este outro Sinai, montanha oh quão mais preciosa que o Sinai, pelas suas maravilhas e os seus eventos, que ultrapassa, pela teofania que nela se deu, as visões divinas figuradas e obscuras. [...]
Rejubila, ó Criador de todas as coisas, Cristo Rei, Filho de Deus resplandecente de luz, que transfiguraste à tua imagem toda a criação e de forma misteriosa a recriaste. [...] E rejubila, ó imagem do Reino celeste, santíssimo Monte Tabor, que ultrapassas em beleza todas as montanhas! Monte Gólgota e Monte das Oliveiras, cantai juntos um hino e rejubilai; cantai a Cristo a uma só voz no Monte Tabor e celebrai-O juntos!
Monge Anastácio, do Sinai.
10.3.2019
INÍCIO DA QUARESMA
Quarta-feira de Cinzas, início da Quaresma, um tempo de encontro, de estar “só” com o Senhor:
Purificai-vos do velho fermento, para que sejais massa nova, porque sois pães ázimos, porquanto Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os pães não fermentados de pureza e de verdade. (1Cor 5,7-8)
Dá-nos, Jesus, a graça, nesses quarenta dias, de entrar na tenda do encontro do nosso coração, dos sacramentos, da leitura de tua Palavra, da comunhão, com um espírito de saudade e de esperança.
Dá-nos, Espírito Santo, a graça de tua Luz para, com ele, conhecermos o que está em nosso interior que se rebela ao Amor de Deus e assim podermos conhecer mais sua Misericórdia e dar-lhe o primeiro lugar em nossa vida.
Peça-nos a graça, Maria, para que, a Quaresma seja para nós um verdadeiro tempo de espera, confiança e entrega, com vistas a renovar nossas promessas batismais na Semana Santa, como os primeiros catecúmenos que se preparavam quarenta dias para serem batizado.
Fabiana Corraro.
https://lahesiquia.wordpress.com/2019/03/06/inicio-de-la-cuaresma/
3.3.2019
NO MUNDO, MAS NÃO DO MUNDO
A vida contemplativa não é incompatível com o fato de viver no mundo. De fato, Deus também vive no mundo. E precisamente no meio do mundo, entre os homens, o contemplativo se torna uma testemunha viva do Deus oculto.
Portanto, o Senhor não diz ao contemplativo secular para se retirar do mundo, mas para se precaver do maligno (João 17,15). O que não significa que tem de se diluir no mundo; porque se o contemplativo pertence a Deus, ele não pode pertencer, ao mesmo tempo, ao mundo, já que ele não pode servir a dois senhores ao mesmo tempo (Mt 6,24). Ele tem que desenvolver e manter uma opção radical em favor de Deus, embora ele esteja imerso nas realidades do mundo, que ameaçam dividi-lo.
E para conseguir isso, ele terá que aceitar a contradição, a incompreensão e a rejeição que a ruptura com o mundo inevitavelmente acarreta, como o próprio Jesus nos diz.
Mural do Facebook, Getsêmani contemplativo
Publicado em 01 de março de 2019 por Gabriel de Santa Maria
24.2.2019
SOBRE A CONTEMPLAÇÃO
Caminhar em direção ao "centro do homem e do mundo", onde reside o chamado salvífico de Deus, é caminhar em direção à solidão em solidariedade, em direção ao deserto que contém as águas que saltam para a vida eterna. É também caminhar em direção à liberdade.
A contemplação não alcança a realidade depois de um processo de dedução, mas por um despertar intuitivo em que nossa realidade livre e pessoal se torna plenamente consciente de sua profundidade existencial, que se abre ao mistério de Deus.
Somente aquele que sabe, ou pode, livrar-se das ilusões é capaz de atingir a contemplação (e não apenas aquela que foge da sociedade e do ruído).
Há muitas ilusões das quais devemos nos livrarmos: ilusões sobre Deus, sobre nós mesmos, sobre as pessoas, sobre as realidades criadas. Mas, especialmente, é necessário livrarmo-nos da ilusão de sermos capazes de levar uma existência separada de Deus, da transcendência e da realidade espiritual que envolve o mundo.
(Texto, Eremita Urbano, Facebook)
17.2.2019
SOBRE O DISCERNIMENTO
Contemplativos de Getsemaní
O contemplativo que vive no mundo tem a necessidade - comum a todos os verdadeiros cristãos - de tomar decisões buscando a vontade de Deus.
Ao contrário do monge, sua vida no mundo o coloca constantemente diante de decisões difíceis no âmbito familiar, laboral e também eclesiástico. Mas, além disso, uma vida de fé e de oração mais intensa o obriga a saber discernir claramente a ação de Deus em sua vida e a resposta que deve dar à divina ação. E, além disso, se ele quer ser um instrumento de Deus para os outros, não poderá dar um passo se não tiver a capacidade de discernir a vontade de Deus em si mesmo e naqueles ao seu redor.
Tal situação levou-nos a elaborar este guia para o discernimento, que procura facilitar a compreensão da sabedoria secular da Igreja no campo da busca da vontade de Deus.
Lembramo-nos que:
O discernimento dos espíritos tem um processo simples, mas fundamental, que precisamos conhecer e exercitar. As regras inacianas de discernimento se encaixam nesse processo, mas se tornarão inúteis se não forem aplicadas corretamente. Este processo tem três etapas consecutivas:
1º) Reconhecer o que acontece dentro de nós: sentimentos, impulsos, pensamentos.
2) Refletir sobre esses sentimentos, descobrindo de onde eles vêm e como devemos reagir a eles.
3º) Agir de acordo com o que descobrirmos em nossa reflexão.
(a continuar ...)
Contemplativos de Getsemani
[https://lahesiquia.wordpress.com/2019/02/05/sobre-el-discernimiento/?replytocom=8031#respond]
10.2.2019
NÃO FIQUE DESANIMADO
John Birch
A história de Jesus está aí para nos dizer para não desanimar quando as orações não parecem ser respondidas imediatamente. Deus vê o quadro maior e sabe o que é melhor para nós a longo prazo. Precisamos nos lembrar dessa imagem de Deus como nosso Pai celestial.
O ponto importante é que não devemos perder a fé e não perder o hábito de falar com Deus (que é o que é a oração, e deve ser enfatizado que é uma conversa de mão dupla). Precisamos trazer nossas esperanças e orações para ele. Se começarmos a ficar desanimados e sairmos da rotina da oração, há sempre o risco de começarmos a nos desviar da nossa fé e potencialmente nos depararmos com o problema com o qual Jesus estava muito preocupado.
3.2.2019
A TENTAÇÃO DE VIVER EXCLUSIVAMENTE PARA DEUS
Mar Velasco
Eles não querem ser notícia, mas são mais do que nunca. Eles vivem em oração, buscam solidão e silêncio, fogem de qualquer tipo de publicidade. Seres atípicos que caminham na direção oposta à da sociedade das massas, da comunicação do coletivismo; escondidos para o resto do mundo, mas vivos para a Igreja e para Deus, que sabem sobre eles. Devido à sua discrição, é quase impossível recenseá-los. Eles não são os silenciosos monges Cartuxos, tampouco os rígidos Camaldulenses. Eles são os novos eremitas, um fenômeno em ascensão, por estranho que pareça.
Há anos que os eremitas vivem uma renovada progressão, lenta, mas indiscutível. Muitos deles vivem em lugares isolados, mas, há algum tempo, vem surgindo uma nova maneira de viver a vocação da solidão: o eremitismo urbano. O eremita "metropolitano" vive sua particular "fuga mundi" nos núcleos urbanos. O jornalista Vittorio Messori escreveu recentemente: "A grande cidade é o verdadeiro lugar da solidão, do anonimato, do combate silencioso contra os novos demônios". Segundo Messori, "o eremita é uma autêntica vocação, uma chama que floresceu novamente como uma reação à embriaguez da comunidade" social "que estragou muitos ambientes religiosos. Este excesso levou muitos a redescobrirem a força da oração e a alegria do silêncio ".
Livre tradução do texto disponível em:
[https://lahesiquia.wordpress.com/2019/01/23/nuevo-eremisitmo/]
27.1.2019
Liberdade versus salvação
Se Deus sabe que eu vou ser salvo, por que ele deveria me socorrer?
O filósofo franciscano irlandês Duns Scoto, andando por uma estrada, encontrou-se com um fazendeiro que, suado, cravou o arado no chão duro. Eles começam a falar de Deus. Após poucas palavras, o operário interrompe o religioso dizendo:
- Você pode me fazer uma pergunta?
- Pois não.
- Deus sabe tudo. Deus é infalível. Não pode se equivocar. Neste momento, Deus sabe se eu vou me salvar, eu vou me condenar. Agora, se Deus sabe que eu vou me salvar, por mais que peque, serei salvo; Por outro lado, se Deus sabe que eu vou me condenar, por pior que eu me esforce, serei condenado. Portanto, por que eu deveria me preocupar em fazer boas ações?
Texto Libertad versus Salvación. Livre tradução. Disponível em:
[https://lahesiquia.wordpress.com/2019/01/15/libertad-versus-salvacion/]
20.1.2019
Sobre a contemplação
A contemplação não alcança a realidade após um processo de dedução, mas por um despertar intuitivo em que nossa realidade livre e pessoal se torna plenamente consciente de sua profundidade existencial, que se abre para o mistério de Deus.
Somente aqueles que sabem ou podem se livrar das ilusões são capazes de encontrar a contemplação (e não apenas aquela que foge da sociedade e do ruído).
Há muitas ilusões das quais devemos nos libertar: ilusões sobre Deus, sobre nós mesmos, sobre pessoas, sobre realidades criadas. Mas, especialmente, é necessário livrar-se da ilusão de ser capaz de levar uma existência separada de Deus, da transcendência e da realidade espiritual que envolve o mundo.
Texto; Ermitaño Urbano. Livre tradução. Disponível em:
<https://lahesiquia.wordpress.com/2019/01/04/acerca-de-la-contemplacion/>